Não é de hoje que o Estado sofre com a crise nos cofres públicos. Muitos governos passaram e o problema ainda não foi solucionado. Mas e se houvessem “mil e uma maneiras” de incrementar a receita do Rio Grande do Sul sem que fosse necessário aumentar a carga tributária? É o que responde nesta entrevista exclusiva concedida ao blog de Jornalismo Econômico da UniRitter o presidente do Afocefe Sindicato, Carlos De Martini.
Por Rafaela Barboza
Jornalismo Econômico / Noite
Nos últimos 40 anos, em apenas sete momentos o Rio Grande do Sul arrecadou mais do que gastou. Nos demais, os governos anteriores não obtiveram êxito em suas gestões nesse aspecto, principalmente depois que o ex-governador Antônio Britto assinou o acordo da dívida pública com a União, em 1998. Divida que o Estado já carregava em seus ombros.
E o que parecia ser a salvação na época, hoje se tornou o maior rombo na história do Rio Grande do Sul. Uma conta de R$ 50 bilhões que nenhum governo consegue pagar.
Em tentativas desastrosas de quitar a dívida, as gestões tentam encontrar caminhos mais fáceis para gerar receita aos cofres públicos do Estado, como a venda de patrimônio público, aumento de ICMS, fechamento de postos fiscais de divisa, que por sua vez abrem a possibilidade de corredores de sonegação fiscal e contrabando.
No entanto, desde o ano de 2003, mais de 40 milhões de pessoas entraram no mercado de consumo nacionalmente, segundo pesquisa do Google Brasil, fazendo com que o PIB do país fosse alavancado. Como é possível a economia nacional crescer, enquanto a do Estado fica em 20ª colocação no ranking brasileiro?
Para o presidente do Afocefe Sindicato, Carlos De Martini, o atual governo não tem mostrado muitos esforços para pagar a dívida com a União, que hoje chega a R$55 bilhões. Após realizar estudo e relatórios baseados em experiências de outros estados, o Sindicato chegou à conclusão que a falta de investimento no setor público no Estado vem agravando cada vez mais a crise financeira.
Hoje apenas 20 turmas volantes fazem a fiscalização de mercadorias nas estradas e rodovias gaúchas. Mas alguns anos atrás haviam cerca de 80. O presidente também explica que atualmente atuam somente seis postos de divisa com o estado de Santa Catarina, quando no passado esse número chegou a 16. Estão ativos apenas seis postos: Torres, Goio-en (que fica em Nonoai), Estreito (em Marcelino Ramos), Passo do Socorro (que fica em Vacaria), Barracão e Iraí.
Com essa redução de fiscalização ostensiva, aumentaram os corredores de sonegação fiscal. As mercadorias que vêm de outros estados passam pelos postos desativados sem qualquer controle sobre o que entra e sai da região.
Outro problema que o Estado vem enfrentado é o entendimento pela parte da Secretaria da Fazenda do Rio grande do Sul que a fiscalização virtual seja tão efetiva quanto a fiscalização física. Enquanto o Ceará investiu nos últimos anos R$ 200 milhões em fiscalização ostensiva, o Rio Grande do Sul diminui a vigilância em uma das fontes de sua principal arrecadação: o ICMS.
Experiências em outros Estados
O Governo do Ceará negociou com empresários e comerciantes a redução de alíquota visando o aumento da receita e reforçou a fiscalização. Isso gerou aos cofres daquele estado um aumento de R$ 300 milhões em relação ao setor de confecções, que antes era de R$ 100 milhões. Entre 2007 e 2014, o estado ficou em 4º lugar no setor chegando a um total de quase a R$ 16 bilhões. O cearenses aumentaram a receita, sem aumentar impostos.
Outro estado que investe em fiscalização ostensiva é Pernambuco, onde há o Núcleo Integrado de Fiscalização, que atua como braço da Sefaz pernambucana, e é composto por três pilares: fiscalização de cargas e de estabelecimentos e atendimento ao contribuinte, e atua sobre o controle de mercadorias em trânsito nas divisas. O pioneiro nesse aspecto, Posto Fiscal de Xexéu, contabiliza 35 mil atendimentos por mês, R$ 2,5 bilhões em mercadorias e R$ 90,6 milhões de ICMS antecipado desses produtos.
Modelos como estes e o Barreira Fiscal, no Rio de Janeiro, onde em uma operação num shopping da cidade, mostrou que 20% das lojas não tinham inscrição estadual, foram apresentados ao governador do Estado, José Ivo Sartori, no começo do ano, quando ocorreu o 15º SEFAZ Debate, como fontes de solução para parte da crise e pagamento da dívida do Estado.
Outra solução apresentada pela entidade ao secretário da Fazenda, Giovani Feltes, foi uma operação realizada no início do mês de agosto, em um setor que não age sonegando, mais sim é inadimplente: arrecadação de IPVA. Segundo o sindicato, mais de 760 mil veículos no Rio Grande do Sul estão inadimplentes. A operação aconteceu em oito municípios gaúchos, e ao final do dia, foram vistoriados 5 mil veículos. Destes, 322 foram guinchados por falta de pagamento e 146 estavam sem licenciamento para circular, arrecadando R$ 29 milhões aos cofres públicos. Desde o início da operação, 65 mil proprietários colocaram seus veículos em dia. A arrecadação de IPVA representa apenas 6% da receita estadual. No entanto, o recolhimento do ICMS figura em 92% do total de arrecadação da receita do Rio Grande do Sul.
O fechamento dos postos fiscais não afeta somente a arrecadação de receita, incide também em segurança e saúde pública. Algo que o governo não consegue frear é o contrabando de mercadorias, que, com a redução de fiscalização, entram e saem do Rio Grande do Sul sem controle. Segundo o Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social de Fronteira (Idesf), somente neste ano os gaúchos perderão R$ 500 milhões de ICMS devido ao contrabando.
Um estudo realizado pelo Sindicato dos Procuradores da Fazenda Nacional (Sinprofaz) diz que 27,6% de ICMS são sonegadas no Rio Grande do Sul.
Com tantas medidas plausíveis para quitar a dívida do Estado, bastaria ao atual Governo do Estado olhar com olhos atentos as propostas que vem de entidades representativas ou da sociedade civil e aplicá-las, evitando onerar categorias como a do magistério, com parcelamento de salários, atraso na folha de pagamento, redução de orçamento para a saúde, educação e segurança, pois todo o governo tem o dever de amparar seu povo com os direitos básicos e garantias fundamentais que lhes são assegurados na Constituição.
Com a palavra: Carlos De Martini
Servidor público da Receita Estadual há 33 anos e presidente do Afocefe Sindicato pela segunda vez, Carlos De Martini acredita que o aumento de investimento no funcionalismo público, por parte do governador José Ivo Sartori, pode alavancar e incrementar a receita do Rio Grande do Sul.
A falta de investimentos por parte do Governo no funcionalismo público tem agravado a crise no Rio Grande do Sul?
Carlos De Martini: Tem! Estamos há 14 anos sem ingressos do concurso público para a categoria dos técnicos tributários. É uma categoria envelhecida. A primeira vez que fui trabalhar no posto fiscal, me escalaram para ir no dia 25 de dezembro. Mas tomei posse só no domingo de carnaval. Já viu isso? Fizeram concurso em agosto de 2014, mas não nomearam ninguém até agora. O que defendemos é o investimento. Veja a questão da operação do IPVA. Estamos nessa situação porque é proposital.
Como se encontram a situação dos postos fiscais no Rio Grande do Sul?
De Martini: Nós visitamos todos os postos fiscais, ativos e inativos. Vou dar o exemplo de Morrinhos do Sul. O prefeito veio a Porto Alegre, conversou conosco. Ele queria ir no Departamento Autônomo de Estradas e Rodagens (DAER). Com a desativação do posto, a cidade está tendo o asfalto destruído, tal o número de carretas que passaram a transitar pela cidade. Aconselhei-o ir à Secretaria da Fazenda, pois reativando o posto eles consertarão. Nós temos várias outras localidades com a mesma situação. Não estou dizendo que vamos reabrir todos os postos fiscais, imediatamente. Mas temos que fazer operações de combate à sonegação nesses pontos, com as equipes móveis. O Estado tem que demonstrar a sua preocupação nestes locais onde ele estava e abandonou.
E quais os ônus de mantê-los fechados?
De Martini: Os postos fiscais desativados são verdadeiros corredores de sonegação, contrabando, armamento e criminalidade. Tivemos há poucos dias uma apreensão, em que um avião jogou 450 quilos de cocaína em Uruguaiana. Essa mercadoria era transportada de caminhão para o resto do país pelas nossas estradas. Passam em Torres? Não. Passam por onde os postos foram desativados. Aqui no estado temos uma situação muito clara. O Rio Grande do Sul é o maior produtor nacional de tabaco. O fumo é produzido em 246 munícipios gaúchos. São 300 mil que dependem economicamente desta cultura. Mas nos dois últimos anos o Estado aumentou em 50% o contrabando de fumo paraguaio. O fumo nacional causa câncer. Imagina esse fumo contrabandeado o que não causa. O Estado perde e consome cigarro contrabandeado. Só em ICMS deixa de arrecadar R$ 115 milhões ao ano e fica com a doença. Mas que baita negócio faz esse estado.
Há excessos em isenções fiscais?
De Martini: Há alguns dias a Secretaria da Fazenda fez uma operação especial nos devedores contumazes,. Essas 44 empresas que foram fiscalizadas deviam R$ 163 milhões. Somam-se a elas mais 948 empresas que estão na mesma situação e que devem ao Estado R$ 3,1 bilhões. E nós não estamos falando de sonegação, isso é mera inadimplência. Mas quanto dessas empresas não receberam incentivo fiscal do Estado? Quem quer saber isso? Eu como cidadão. Mas o presidente do Tribunal de Contas do Estado (TCE) não tem acesso a esses dados, pois a Sefaz alega sigilo fiscal. Nós temos que abrir a caixa preta da Secretária da Fazenda.
“Nós temos que abrir a caixa preta da Secretária da Fazenda. “
O que aponta o relatório técnico realizado pelo Sindicato?
De Martini: São proposições e encaminhamentos que pedem mudanças de atitudes, instalação de equipes de fiscalização, mais recursos e equipamentos para fiscalização ostensiva, e a última pode parecer uma brincadeira, mas nós recomendamos que a Fazenda siga as recomendações do TCE, que tange a transparência na forma de lidar com a coisa pública.
Se aprovarem o aumento do ICMS no Rio Grande do Sul, como isso vai impactar na sociedade?
De Martini: Bom, em primeiro lugar isso é lesivo para a economia. Eu entendo que a atividade econômica se reduz. Aumenta o desemprego, aumenta o contrabando, a sonegação e não aumenta a arrecadação no projetado. Tanto que no último aumento de alíquota de combustível no Estado, que foi no ano de 2005/2006, o Rio Grande do Sul teve aumento de 1/3 do aumento da média nacional, sendo que não teve aumento de alíquota. O aumento de alíquota às vezes é perverso. Inclusive para arrecadação do Estado. Imagina se o governo aumenta as alíquotas como pretende e não tem o resultado. O que vamos fazer? Suicídio coletivo como fizeram na Guiana, décadas atrás? Outros caminhos precisamos percorrer . Não se faz fiscalização em uma cadeira refrigerada, de um ambiente fazendário. A fiscalização se faz nas ruas. É ali que está o contrabando, o tráfico de drogas, de armas, de defensivos agrícolas, é ali que a nossa economia é lesada. É onde estão subtraindo os empregos do povo gaúcho.
O que significa para o senhor a carreira de Técnico Tributário da Receita Estadual?
De Martini: Para mim é algo apaixonante, porque essa percepção e intuição não é de hoje. É de uma vida inteira que compartilhamos com colegas em postos fiscais. A minha vida se confunde com a minha vida profissional na Fazenda.
O que o senhor espera para o futuro do Rio Grande do Sul?
De Martini: Eu sou um otimista. Sempre fui. Lutei muito na minha vida e enquanto tiver força de segurar uma bandeira bem alta, não tem força no mundo que se contraponha. Os problemas da economia do Rio Grande passam muito pelos problemas que aqui elencamos. Não quero ser tido com um visionário, mas como um humilde batalhador.