Espremido pela falta de dinheiro que torna o pagamento da folha um novo suspense a cada mês, o governador José Ivo Sartori acena com uma proposta indigesta que bate no bolso de toda a população e ao mesmo tempo não é nada original. O aumento do ICMS, ideia que ganha força no núcleo do poder pela fácil execução apesar do custo político, foi a saída emergencial para o aperto nas finanças ao menos tentada por quase todos os últimos inquilinos do Palácio Piratini desde Alceu Collares, com a exceção de Tarso Genro.
Diante da ameaça de maior carga tributária, onerando empresas e consumidores em um momento de economia claudicante, começam a surgir sugestões à proposição ensaiada pelo governo. Parte até pode integrar pacote de projetos a ser enviado nas próximas semanas para a Assembleia. Algumas têm o potencial de desagradar empresários e consumidores, que pagam a conta no final. Outras, de deixar o funcionalismo de nariz torcido.
Além de outras estratégias na área tributária, alienação de imóveis não utilizados, venda ou extinção de estatais deficitárias e revisão de privilégios também são apontadas como escolhas possíveis apesar das amarras burocráticas e resistências.
A elevação da alíquota básica de 17% para 18%, que só poderia vigorar a partir de 2016, teria o potencial de arrecadar R$ 600 milhões, sendo três quartos para o governo — os 25% restantes precisariam ser repassados aos municípios. Outra alternativa seria elevar a taxação de combustíveis, energia e telecomunicações, além de supérfluos.
Estudioso do tema, Alfredo Meneghetti, economista da Fundação de Economia e Estatística (FEE) e professor da PUCRS, afirma que seria muito mais eficiente passar um pente-fino nos incentivos fiscais do que aumentar alíquotas. Dessa forma, avalia, seria possível encerrar benefícios tributários de empresas que não dão a contrapartida de geração de empregos e reflexos indiretos positivos na economia. Os dados compilados por Meneghetti mostram que as desonerações chegam a R$ 13,1 bilhões e o Estado é o quarto no país que mais abre mão do ICMS potencial. Caso caísse para a média, arrecadaria o suficiente para cobrir o déficit de R$ 5,4 bilhões previsto para este ano.
— É necessário verificar em quais casos os incentivos estão apenas engordando a margem de lucro e não retornam em termos de investimento e emprego e para a economia — sustenta Meneghetti, ciente de que sua posição é polêmica devido à corrente de pensamento aliada à tese de que um pé no freio nas desonerações poderia levar à perda de investimentos e ameaça de empresas deixarem o Estado.
O economista lembra que o Tribunal de Contas da União (TCU) detectou R$ 281 bilhões em incentivos fiscais do governo federal dois anos atrás, chamando a atenção para a inexistência de avaliação periódica dos resultados das renúncias.
Para o presidente do Sindicato dos Técnicos do Tesouro do Estado, Carlos De Martini Duarte, é em outra frente que o Estado tem de atuar. A melhor alternativa para turbinar a arrecadação, aposta, é reforçar a fiscalização:
— Nunca vi aqui no Estado um governador ou secretário da Fazenda pautar essa questão pelo lado do combate à sonegação.
Duarte sustenta que somente a recuperação da antiga estrutura que já existiu de fiscalização seria suficiente para aumentar a receita sem a necessidade de elevar alíquotas de impostos.
— Já tivemos 16 postos fiscais no Estado e 10 foram fechados. Já tivemos 82 turmas volantes e hoje existem 20. Isso abre corredores de sonegação — alerta Duarte.
Também adepto da ideia de revisão dos incentivos, mas "com todas as cautelas", o presidente da Instituto Brasileiro de Altos Estudos do Direito Público, Juarez Freitas, lembra que a própria Lei de Responsabilidade Fiscal ressalta que as desonerações devem ser acompanhadas de estimativas do impacto dos benefícios no orçamento e nas finanças no ano em que começam a valer e nos dois exercícios seguintes. O TCU, lembra Freitas, já apontou que, no âmbito federal, esse ponto quase nunca foi observado.
— O problema é saber se o governo vai ter a audácia de mexer nisso — pondera.
Risco de informalidade e apelo à simplificação
Entre as entidades empresariais, a possibilidade de aumentar a carga tributária causa calafrios. A opinião unânime é de que traz mais perdas do que ganhos. Rafael Borin, assessor tributário da Federação do Comércio de Bens e de Serviços do Estado do Rio Grande do Sul (Fecomércio-RS), prevê uma série de consequências negativas caso o governo Sartori eleve o ICMS. Entre os malefícios, aumento do custo de mercadorias e serviços e perda de competitividade das empresas gaúchas em relação a outras unidades da federação.
— Também é um estímulo à informalidade. Se a tributação é alta, as pessoas vão atrás do produto mais barato. E quem vendo o mais barato? Aquele que está na informalidade e sonega — alerta o assessor da Fecomércio-RS.
O advogado tributarista Rafael Nichele tem ainda outra receita. A simplificação da cobrança do ICMS poderia potencializar a arrecadação do tributo. O especialista lembra que hoje as empresas gastam muito tempo para decifrar qual seria a correta interpretação da legislação sobre tema por ser complexa, extensa, excessivamente detalhada e com mudança frequente de regras.
Mordida recorrente
Nas últimas décadas, quase todos os governantes que passaram pelo Palácio Piratini ao menos tentaram elevar alíquotas de ICMS
Alceu Collares (1991-1994)
- Em 1993, o governo elevou a alíquota básica do ICMS de 17% para 18%. A alíquota de 25% sobre a telefonia residencial foi ampliada para outros serviços de telecomunicações. Ao mesmo tempo, reduziu para 7% no caso de itens da cesta básica, antes taxados em 12% e 17%. A maior arrecadação seria destinada a um fundo especial para habitação popular.
Antônio Britto (1995-1998)
- Em 24 de julho de 1997, no mesmo dia em que a Assembleia aprovava a privatização total da CRT, por 26 votos a 18 os deputados estaduais também avalizaram a intenção do Palácio Piratini de aumentar o ICMS. A alíquota geral, que era de 17%, passou para 18%. Armas, brinquedos, munições, cigarros, energia elétrica, gasolina, comunicações e perfumaria passaram de 25% para 26%. No caso de produtos agrícolas e aviões, de 12% para 13%. As novas alíquotas começaram a valer em 1998, com vigência de um ano. Nos 12 meses, a projeção era arrecadar R$ 117 milhões — já descontados 25% do montante total repassado para os municípios — e aplicar os recursos na segurança pública.
Olívio Dutra (1999-2002)
- No início da gestão, o governo fez a primeira das três tentativas de elevar o ICMS. Em 1999, a proposta era aumentar a alíquota de bebidas alcoólicas, cigarros e combustíveis (exceto óleo diesel) e energia de 25% para 28%. Refrigerantes subiriam de 18% para 21% e telecomunicações, de 25% para 30%. A intenção era cumprir promessa de aumento ao funcionalismo. Assembleia derrotou o projeto por 39 a 14.
- Em 2000, Olívio fez a segunda tentativa. O conceito proposto era de mudança na matriz tributária. Com isso, previa elevação de alíquotas em alguns casos, mas redução de ICMS para outros. Aumentaria a carga sobre comunicações (de 25% para 30%), gasolina, álcool, energia residencial acima de 300 kwh por mês, cigarros, cervejas ( 25% para 28%) e refrigerantes (18% para 21%). Por outro lado, teriam menores alíquotas papel higiênico ( 17% para 12%), mel, vinagre e hortaliças, extrato de tomate e hortaliças ( 17% para 7%), bolachas e biscoitos ( 12% para 7%). Também teriam outros benefícios fiscais carnes, leite em pó, queijo, arroz, soja, máquinas agrícolas e móveis
- No ano seguinte, nova tentativa frustrada. Desta vez, a iniciativa recebeu o nome de Programa de Incentivo ao Crescimento (PIC), mas foi rejeitado por 32 votos contrários, 21 a favor e uma abstenção. Para tentar obter a aprovação, o governo chegou a desistir do aumento de um ponto percentual sobre a alíquota do ICMS dos cigarros e refrigerantes, mantendo a majoração do imposto sobre os serviços telefônicos e a cerveja. Cerca de 40 produtos da agropecuária teriam o índice tributário reduzido.
Germano Rigotto (2003-2006)
- Com maior apoio na Assembleia, Germano Rigotto conseguiu em março de 2005 subir a alíquota de ICMS de 25% para 30% da telefonia fixa, celular e de energia (para consumidores residenciais e comerciais acima de 50 quilowatts/hora. No caso de gasolina e álcool, de 25% para 29%, com a alíquota caindo para 28% no ano seguinte. Nos oito meses que vigorariam as novas alíquotas, o cálculo era arrecadar R$ 250 milhões a mais.
Yeda Crusius (2007-2010)
- O governo tentou sem sucesso elevar a alíquota básica de ICMS de 17% para 18% em 2007. Gasolina e álcool subiriam de 25% para 30%, diesel de 12% para 13%, GNV de 12% para 18%, telefonia e energia elétrica de 25% para 30% (para consumo acima de 50 kWh), refrigerantes (de 18% para 21%). O impacto calculado em 2008 seria de R$ 959 milhões.
Tarso Genro (2011-2014)
- Exceção, Tarso Genro não elevou alíquotas de ICMS e preferiu enfrentar a crise financeira aumentando os saques de depósitos judiciais.
http://zh.clicrbs.com.br/rs/noticias/noticia/2015/05/elevacao-de-icms-tem-pouco-potencial-para-resolver-crise-financeira-do-estado-4752225.html