ARTIGO Luís Fernando Veríssimo - Pós-Fukuyama
22/09/2014
Pós-Fukuyama
Francis Fukuyama (lembra dele?) decretou o fim da História com a
vitória definitiva das forças do mercado contra o dirigismo econômico. A
sua foi uma das frases mais bem-sucedidas do século passado. O muro de
Berlim caíra em cima do que restava das ilusões socialistas, a frase não
tinha resposta e o capitalismo desregulado não tinha mais inimigos.
Dominaria o planeta e nossas vidas pelos próximos milênios.
Como o
próprio Fukuyama reconheceu mais tarde numa revisão da sua sentença, a
História reagiu. O capital financeiro predatório mantém seu poder de
ditar a moral e os costumes da época, mas não tem mais a certeza de um
futuro só deles nem a bênção da filosofia sintética e incontestável do
Confúcio da direita. Se pela História tornada irrelevante Fukuyama
queria dizer contradição e conflito, tudo que aconteceu no mundo depois
da publicação do seu livro desmentiu sua premissa. Mostrou que a
História está viva, forte e irritadíssima. Nenhuma senhora, ainda mais
com sua biografia, gosta de ser declarada inválida antes do tempo.
A
crise provocada pelo capital financeiro fora de controle levou
protestantes para as ruas na Europa e nos Estados Unidos e transformou
“austeridade”, a solução receitada para as vítimas da crise, em
palavrão. Ninguém quer pagar, com o sacrifício de gastos sociais, por
uma porcaria que não fez. E cresce a busca por alternativas para os
dogmas neoliberais e pelo fim do monólogo dos donos do dinheiro.
E
o papel da esquerda na História pós-Fukuyama? O socialismo está numa
crise de identidade. Como é difícil, hoje, recuperar o sentido antigo,
sem qualificativos, de uma opção pelo socialismo, as pessoas se entregam
à autorrotulagem para se definirem exatamente (sou dois quartos de
esquerda-esquerda, um quarto de centro-esquerda e o outro quarto devem
ser gases), o que só atrasa as discussões que interessam. Quais são os
limites da coerência ideológica e do pragmatismo? O que ainda pode ser
resgatado das ilusões perdidas? Por que não se declarar logo um
neo-neoliberal e ser feliz?
Num livro recém publicado, a
ex-mulher do François Hollande revela que ele tem horror a pobre. Se
pode sobreviver a Francis Fukuyama, a François Hollande e a partidos
políticos brasileiros que se chamam de “socialistas” com uma certa
imprecisão semântica, o socialismo ainda tem um futuro, mesmo que seja
apenas um apelido conveniente para o que se quer. A escolha continua
sendo entre socialismo e barbárie. Pode-se não saber mais o que é
socialismo, mas para saber o que é barbárie basta abrir os olhos.
(Fonte: Zero Hora, 22 de setembro de 2014 - Opinião)
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