Ricardo Neves Pereira, diretor da Receita
A
Secretaria da Fazenda do Rio Grande do Sul não tem jeito de escapar de
seus velhos cacoetes. Os fiscais continuam com suas eternas artimanhas
no objetivo de alcançar o poder completo na Pasta. Uma das última
façanhas dos fiscais é mais uma jogadinha para tirar atribuições dos
técnicos do Tesouro do Estado, a maior categoria da Secretaria da
Fazenda, e a que realiza a maior quantidade de atividades. São sempre
jogadas que escondem subterfúgios.
Em novembro do ano passado, o
secretário da Fazenda, o petista Odir Tonolier, fez o governador do
Estado, o peremptório petista Tarso Genro, enviar um projeto de lei
traiçoeiro à Assembléia Legislativa. Era o projeto visando alterar a Lei
9537, de 1973, relativa ao ICMS, prevendo que o auto de lançamento
poderia deixar de ser lavrado quando o valor do crédito tributário fosse
inferior a 230 UPFs-RS (projeto de lei 290/2012). A atenta direção do
Afocefe-Sindicato, órgão de representação da classe dos técnicos
fazendários, percebeu a intenção dos fiscais, por meio da Diretoria da
Receita da Secretaria da Fazenda, e conseguiu obstar a intenção com uma
emenda supressiva elaborada e assinada pelo deputado estadual Carrion Jr
(PCdoB). A Assembleia Legislativa entendeu que a atividade de
lançamento tributário é vinculada e obrigatória, e que não tinha
cabimento a pretensão discricionária pretendida pelos fiscais.
O mais
inacreditável é que fiscais da Fazenda, que devem zelar pelo
recolhimento de impostos, estavam praticamente ensinando aos sonegadores
como poderiam sonegar legalmente, com o particionamento de cargas, para
fugir de fiscalização. Após a derrota na Assembleia Legislativa, alguém
pensa que os fiscais desistiram da sua intenção? Não mesmo. Aquilo que
eles não conseguiram por lei, acharam que poderiam alcançar por um meio
muito mais fácil, a emissão de uma simples Ordem de Serviço da
Sub-Secretaria da Receita Estadual.
No dia 21 de março deste ano, o
subsecretário da Receita, Ricardo Neves Pereira, editou a Ordem de
Serviço RE nº 005/13, dizendo: "Introduz alteração na Ordem de Serviço
DRP nº 01/02, de 02/01/02. O SubSecretário da Receita Estadual, no uso
de suas atribuições, introduz alteração na Ordem de Serviço nº 01/02, de
02/01/02, conforme segue: 1. No Capítulo II do Título V, o subitem
1.1.5.1 passa a vigorar com a seguinte redação: '1.1.5.1 - Atendendo aos
princípios constitucionais da economicidade e da eficiência
administrativa, a autoridade fazendária competente está dispensada de
iniciar procedimento fiscal visando à constituição de créditos
tributários pertinentes ao ICMS, por descumprimento de obrigação
principal, quando o valor do tributo monetariamente atualizado não
ultrapassar a 145 UPFs; 1.1.5.1.1 - O disposto no subitem 1.1.5.1 não
implica do crédito tributário, que poderá ser exigido, respeitado o
prazo decadencial, quando, isolada ou conjuntamente, for atingido o
limite mínimo fixado". 2. Esta Ordem de Serviço produz efeitos a partir
de 1º de abril de 2013".
É inacreditável que fiscais do ICMS, carreira
de nível superior, formada por uma grande quantidade de bacharéis em
Direito, tenham formulado uma coisa desse gênero. A Constituição
Federal, em seu artigo 37, determina: "Art. 37. A administração pública
direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de
legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e,
também... ". Ora, os fiscais deveriam ter atentado ao primeiro requisito
previsto nesse artigo, o da "legalidade".
Nenhum técnico do Tesouro do
Estado pode abir mão de prerrogativas de suas funções previstas em lei. E
nenhuma resolução emitida por um fiscal, investido ou não de cargo de
chefia, pode derrogar uma imposição de lei. Mas, essa iniciativa dos
fiscais, da Subsecretaria da Receita e do próprio secretário da Fazenda
do Rio Grande do Sul, o petista Odir Tonolier, não se esgotou nessa
iniciativa ilegal. Quase imediatamente, o subsecretário da Receita,
Ricardo Neves Pereira, mandou realizar um pregão eletrônico tendo por
objeto a contratação de "1. Serviços terceirizados contínuos de carga e
descarga de mercadorias e atividades correlatas, no quantitativo de 19
(dezenove) postos de trabalho junto aos Postos Fiscais da Receita
Estadual, conforme Anexo V - Termo de Referência". E conitnua: "1. Forma
de execução: A execução do presente contrato abrange as seguintes
tarefas básicas: 1.1. Efetuar a descarga e a recarga em veículos,
servindo-se das próprias mãos e/ou utilizando-se de equipamentos
específicos, fornecidos pela CONTRATANTE; 1.2 Desenlonar e enlonar
veículos; 1.3 Reacondicionar a carga em caixas ou afins, recarregando o
veículo da mesma forma que estava antes da descarga".
Foi mais uma
iniciativa no sentido de efetivar a Ordem de Serviço nº 005/13 e
promover o esvaziamento das atividades dos técnicos do Tesouro Estadual,
carreira que os fiscais querem colocar em extinção, principalmente
depois que lei estadual a transformou em carreira de nível superior. A
ofensiva dos fiscais obrigou a diretoria do Afocefe Sindicato a
contratar advogado, Gabriel Pauli, para tomar as providências legais. A
primeira delas foi uma representação ao Ministério Público de Contas, do
Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul. Isso aconteceu no
dia 22 de abril de 2013. O advogado apontou as excrescências dessa
iniciativa dos fiscais. Em primeiro lugar ele apontou o absurdo de a
contratação de serviços terceirizados ter horário previsto somente para
os períodos de 8h30 às 12 horas e das 13h30 às 17h20, de segunda-feira a
sábado. É como se todos os carros, ônibus e caminhões só passassem nos
postos fiscais, nas estradas, nestes horários e nestes dias.
O absurdo
continua porque o horário dos técnicos do Tesouro do Estado nos postos
fiscais é contínuo, sempre, sem qualquer parada, durante todos os dias
do ano. Mais do que isso, são 10 os postos fiscais da Secretaria da
Fazenda no Estado do Rio Grande do Sul, e a contratação prevista no
pregão eletrônico era para apenas seis postos fiscais. O edital do
pregão também previa a contratação de 19 funcionários. Os absurdos são
inúmeros, mas se ressalta que a atividade de carga e descarga é exercida
pelos Técnicos do Tesouro do Estado. E a atividade de fiscalização
somente pode ser exercida por um servidor público concursado, jamais por
terceirizados. Mais ainda, os contratados terceirizados trabalhariam
sob a supervisão dos Técnicos do Tesouro do Estado, porque nenhum fiscal
se dá ao trabalho de se levantar de sua cadeira de rodinhas, em seu
escritório com ar condicionado, no Posto Fiscal, para ir até a pista e
entrar na carroceria de um caminhão.
O advogado Gabriel Pauli apontou em
sua representação ao Tribunal de Contas que a contratação de
terceirizados, incluindo uma relação de subordinação, caracteriza uma
inconstitucional contratação de fornecimento de mão-de-obra. E juntou
uma série de decisões nesse sentido. Gabriel Pauli pediu ao Tribunal de
Contas do Estado que emitisse medida cautelar, promovendo suspensão do
procedimento licitatório (09/CELIC/2013) e a respectiva contratação.
A
procuradora Daniela Wendt Toniazzo, do Ministério Público de Contas do
Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul, deu resposta à
representação um mês depois, no dia 21 de maio de 2013. Diz o parecer da
procuradora, encaminhado ao presidente do Tribunal de Contas: "O exaqme
do instrumento convocatório e do seu Anexo V evidencia que o objeto
constitui-se no fornecimento de 19 (dezenove) prestadores de serviços
para atuarem em 06 (seis) postos fiscais, no período de segunda-feira a
sábado, e em horário pré-determinado (das 08h30min às 12h e das 13h30min
às 17h20min). Mediante consulta ao sítio da Subsecretaria da
Administração Central de Licitações constatou-se que o objeto do Pregão
Eletrônico nº 091/CELIC/13 foi adjudicado em 21/03/2013 à empresa
Personnalité Recursos Humanos Ltda, no valor de R$ 28.199,99 pelo
período inicial de 12 (doze) meses, cujo respectivo contrato, em
17/05/2013, ainda não havia sido firmado pelas partes".
Mas adiante ela
opina: "... mediante a análise das informações e da documentação
encaminhadas a este MPC, o Parquet identificou a existência de elementos
que, em tese, caracterizam a presente contratação como locação de
mão-de-obra, em descumprimento ao disposto no artigo 37, inciso II, da
Constituição Federal, recomendando, portanto, um exame mais aprofundado
do procedimento adotado pela SEFAZ".
Até agora não se tem conhecimento
de que o Tribunal de Contas tenha tomado alguma providência a respeito
deste atentado à Constituição Federal cometido pela Secretaria da
Fazenda do Rio Grande do Sul. No dia 21 de junho de 2013 a direção do
Sindicato Afocefe também fez uma representação no Ministério Público do
Estado do Rio Grande do Sul, junto à Promotoria de Defesa do Patrimônio
Público, com o promotor Nilson de Oliveira Rodrigues Filho. Mas,
igualmente, não se tem notícia de qualquer iniciativa. No dia 21 de maio
de 2013, o advogado Gabriel Pauli, representando o Afocefe Sindicato,
fez nova representação ao Ministério Público do Tribunal de Contas,
desta vez contra a "Ordem de Serviço RE nº 005/13 do Subsecretário da
Receita Estadual que dispensa o início do procedimento fiscal visando à
constituição de créditos tributários". Esta representação é pela afronta
ao princípio constitucional da legalidade, pelo desconhecimento de
legislação estadual, pela afronta ao Código Tributário Nacional e pela
ilegal renúncia fiscal. Até agora também não houve manifestação do
Ministério Público de Contas e do Tribunal de Contas do Estado do Rio
Grande do Sul.