Rejeitada pelo voto popular, ideologia do déficit zero segue viva na mídia
05/04/2013
O governo Yeda Crusius (PSDB) foi amplamente rejeitado pela população
do Rio Grande do Sul. Ao final de quatro anos, a governadora tucana,
candidata à reeleição, amargou um terceiro lugar na disputa eleitoral de
2010. Esse resultado foi, sobretudo, uma rejeição às políticas
implementadas pelo governo do PSDB e seus aliados. Considerando que o
déficit zero foi a peça programática central do governo Yeda Crusius, a
voz das urnas foi uma reprovação da ampla maioria da população a este
discurso que procura se apresentar como técnico, mas que está impregnado
de uma ideologia fundamentalista do mercado que tem aversão ao Estado,
exceto, é claro, quando precisa se socorrer dele como aconteceu
recentemente na Europa e nos Estados Unidos.
Rejeitada nas urnas e também nas ruas, isolada politicamente no
Brasil e em boa parte da América Latina, essa ideologia segue viva,
porém, nos espaços editoriais dos veículos pertencentes às grandes
empresas de comunicação. No Rio Grande do Sul, um dos principais
defensores da ideologia do déficit zero é o jornal Zero Hora, principal
veículo impresso do Grupo RBS. A pregação é sistemática, articulada e
permanente. Nesta quarta-feira, a principal colunista política do
jornal, Rosane de Oliveira, volta ao tema, estabelecendo um curioso
paralelo entre, por um lado, os governos de Germano Rigotto e Tarso
Genro, e, por outro, o governo de Yeda Crusius.
O “pecado” dos governos Rigotto e Tarso seria recorrer aos depósitos
judiciais para pagar as contas. Esses depósitos, assinala a jornalista,
estavam “preservados desde o início do governo de Yeda Crusius”. Na
avaliação da colunista de ZH, “o quadro caótico das finanças estaduais é
resultado de uma combinação entre excesso de gastos, especialmente com
reajustes salariais para servidores, com redução da receita prevista”.
Rosane de Oliveira acrescenta: “Com os aumentos já aprovados, os gastos
com pessoal neste ano serão 14,5% superiores aos do ano passado – e isso
que o governo não está cumprindo a lei do piso do magistério”. Na mesma
edição de ZH, uma matéria da editoria de Política trata dos “aumentos
em série no Estado”.
O governador Tarso Genro rejeita o rótulo aplicado à situação financeira do Estado:
“Caos financeiro foi o que encontramos com o déficit zero, venda
de ativos públicos para pagamento de contas, atraso frequente de
pagamento de fornecedores e baixa taxa de investimentos, tanto do
orçamento como oriundos de financiamentos. O Governo Rigotto também
retirou, corretamente, R$ 2 bilhões de depósitos judiciais para manter
um controle das finanças e não paralisar completamente o Estado”.
A crise financeira da maioria dos estados brasileiros é real e só
será resolvida quando, entre outras coisas, a Reforma Tributária deixar
de ser um mito. Isso implica discutir o modelo de financiamento do
Estado brasileiro e o papel do próprio Estado. Para que ele serve mesmo?
O problema da ideologia do déficit zero é que ela prega, na prática, o
encolhimento do Estado a um nível tão mínimo que ele deixa de ser
relevante como instituição. Aí, supostamente, entrariam o deus mercado, a
livre iniciativa, o livre comércio e as privatizações para garantir paz
e prosperidade a todos. O Brasil e praticamente toda a América Latina
viveram esse modelo por cerca de duas décadas. O Rio Grande do Sul, de
modo mais agudo, teve a experiência desastrosas do governo Yeda Crusius.
Há um elemento comum a estas políticas (se é que podem ser assim
chamadas, uma vez que, no limite, desprezam a política): a rejeição nas
urnas. Isso não ocorre por acaso. Aplicar uma política de déficit zero é
simples: basta não dar aumento aos servidores, cortar gastos de custeio
e políticas públicas, reduzir os serviços públicos prestados do ponto
de vista de sua quantidade e de sua qualidade. A partir daí, engendra-se
uma lógica argumentativa bizarra: um governo prega as virtudes de
gestão do mercado e sucateia o Estado; sucateado, o Estado deixa de
prestar adequadamente serviços públicos essenciais; rejeitado pela
população, esse governo é varrido pelo voto; o governo que assume tenta
recompor a estrutura do Estado e passa a ser cobrado, ao mesmo tempo,
por estar gastando demais e também por não estar garantindo a segurança,
a saúde e a educação de que a população precisa. Ou seja, o Estado não
pode gastar, os servidores não podem ter aumento salarial e a população
não pode sofrer com falta de segurança, saúde e educação.
Os defensores desse modelo conseguiram mais uma proeza agora na
Europa, onde a ideologia do déficit zero vestiu o disfarce da
austeridade. Segundo o Eurostat, órgão estatístico da União Europeia, o
número de jovens desempregados na União Europeia é de 5,732 milhões, 264
mil a mais do que há um ano, subindo de 22,4% para 23,6%. Isso é que é
governar com responsabilidade.
(Fonte: RS Urgente - Marco Weissheimer)
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