Secretário Odir Tonollier analisa efeitos da crise na arrecadação - entrevista Jornal do Comércio
30/07/2012
JONATHAN HECKLER/JC
Tonollier analisa efeitos da crise na arrecadação e traça desafios para equilibrar o caixa
A indústria é a vilã das contas
estaduais até agora neste ano e já forçou o governo do Estado a revisar a
meta de receita. Com menos dinheiro, o que poderá salvar os planos da
atual gestão do Palácio Piratini são os empréstimos, que começam a
pingar na conta e que o secretário estadual da Fazenda, Odir Tonollier,
garante que serão gastos, já que mais desoneração, como conta menor da
luz, não está na mira do gestor. O secretário, fiel ao estilo sisudo e
de poucos sorrisos, ameniza a demora da União em responder a apelos dos
estados em revisar a correção da dívida federal e promete marcação
cerrada com empresas que têm o mau hábito de atrasar a conta do ICMS.
“Queremos que eles parem de fazer isso.” Jornal do Comércio - Qual é a situação do caixa do Estado até agora? Odir Tonollier -
Fecharemos o ano abaixo do esperado, embora até junho a receita tenha
crescido 10,2%, alcançando R$ 21 bilhões, acima da média nacional.
Revisamos o crescimento nominal para 8,8%, por conta da estiagem e da
crise interna e global. A chamada supermeta previa alta próxima a 15%,
ou R$ 1,3 bilhão. Mesmo a taxa intermediária não será possível. O ICMS
responde por 90% da receita. JC - O consumo, que alimenta o ICMS desaqueceu, então? Tonollier -
As famílias até estão comprando, mas o desempenho da indústria é muito
fraco, vive uma incerteza movida pela menor demanda mundial, medo de que
a China não compre tanto e pelas barreiras da Argentina. Isso é até um
certo paradoxo, quando os juros para investimento estão caindo, a renda
cresce e o desemprego é baixo. No Estado, anunciamos medidas para
potencializar as ações do governo federal, como a apropriação dos
créditos de ICMS pela indústria, que cai de 48 meses a 36 meses, no
investimento em máquinas. JC - Quais segmentos estão piores? Tonollier -
A indústria metalmecânica teve queda de 2% nominais até junho, e
medicamentos e cosméticos recuaram 8,2%. O que sustentou a receita até
agora foi a energia, com alta de 15,67%, que deve ter sido puxada pela
demanda das famílias. A arrecadação das 50 maiores empresas, que
respondem por 51% do caixa, subiu 12,08%, mas a dos demais
estabelecimentos, apenas 8%. JC - Onde faltará dinheiro diante de um caixa menor? Tonollier - Para
evitar este efeito, faremos operações de crédito com Bndes, Banco
Mundial (Bird) e Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), em busca
de equilíbrio financeiro. Só não podemos gastar com pessoal, mas
usaremos os recursos nas contrapartidas de investimentos e em projetos
em que não tínhamos caixa. Não vai ter dinheiro do Tesouro. JC
- O site da Transparência do Estado mostra que até 25 de julho foram
investidos R$ 38 milhões do Tesouro, enquanto no mesmo período de 2011,
haviam sido R$ 111,7 milhões. Por que foi tão pouco agora? Tonollier -
Porque o crescimento da arrecadação não é satisfatório. A estratégia é
investir com recursos externos (empréstimos), mas trabalhamos com
execução de R$ 300 milhões do Tesouro, mas não são só obras. O que é
baixíssimo. Temos de pagar o piso do magistério, melhorar o salário da
segurança e contratar servidores, sob pena de o Estado não funcionar. JC - Tem dinheiro de fora para investir e o Estado tem capacidade para gastar ou recorrerá à ajuda oferecida pela União? Tonollier -
Não vamos precisar de ajuda. Estamos preparados. Passamos um ano e meio
projetando. Os últimos dois anos e meio serão de execução. O governador
Tarso Genro disse que, no começo, seria 80% projeto e 20% execução, o
que se inverte a partir de agora. Fizemos ajustes na gestão e
contratamos servidores. Quem fez até agora fez, quem não fez não fará
mais. Já recebemos R$ 200 milhões neste ano, que também irão quitar
obras de governos anteriores. Entrarão ainda R$ 100 milhões do Bird e
outros R$ 100 milhões do BID. JC - As parcerias público-privadas (PPPs) entram neste esforço? Tonollier -
Elas podem dar mais fôlego, mas vamos avaliar caso a caso e decidir
conforme a conveniência e a oportunidade. Não há mais preconceito. As
coisas vão sendo assimiladas. Tínhamos preconceito contra pedágios e
agora admitimos como solução. Tudo depende de como se faz. JC - E quando veremos uma solução para estancar o déficit da previdência? Tonollier -
O essencial já foi feito, que foi constituir um Funprev, o primeiro da
história gaúcha e que já recebe contribuições dos novos funcionários e
da parte do governo. O Conselho de Desenvolvimento (CDES) estuda medidas
para atenuar o déficit. Antes disso, não emitirei opinião. JC - Há saída para o rombo da previdência sem revisar o custo da dívida com a União? Tonollier -
O déficit em 2011 foi de R$ 5,2 bilhões e tende a crescer. A União está
tendo algumas iniciativas, como a de ofertar linha de R$ 20 bilhões com
juros baixos do Bndes para amenizar o aperto dos estados. O Rio Grande
do Sul pode buscar R$ 800 milhões. E indicou o uso da Selic como
indexador. Não esperamos uma solução mágica, como pagar a metade do
passivo. Acredito em uma negociação com os devedores, sem comprometer as
finanças da União, cujos créditos são de R$ 500 bilhões. JC - O governo federal fala muito e faz pouco nesta área? Tonollier -
O problema é mesmo muito difícil e não depende só dos governadores ou
do nosso Estado, mas do conjunto das unidades e do credor federal, que
opta por linhas mais baratas para substituir dívidas mais caras. A União
já nos autorizou a contratar R$ 800 milhões do BID para isso. A
carta-consulta está no banco, e pretendemos fazer a operação até o
começo de 2013. JC - Mas isso atinge a fatia menor do passivo (a porção extra-limite). E a parte que engole 13% da receita todos os meses? Tonollier - Além
do principal, tem um conjunto de operações de crédito que também nos
oneram, que elevam a 14,5% os gastos. Como secretário da Fazenda,
trabalho sobre o que é razoável e o que pode ocorrer. O problema é que a
dívida retirou capacidade de investimento, e o governo oferece crédito
para resgatar esta condição. JC - Por que o governo não troca o indexador? A Selic já está em 7,5%. Tonollier -
O prazo depende do governo federal. Inicialmente, os governadores não
ficaram satisfeitos com o limite da taxa básica, mas hoje é vantajoso,
sem precisar alterar o contrato. A ideia é manter o IGP-DI mais 6% ao
ano até o teto da Selic, e sem gerar resíduo, que só no Rio Grande do
Sul é de R$ 17 bilhões, a serem pagos em dez anos, após o término da
pactuação atual até 2027, só que sem limite sobre a receita. Apenas nós,
Minas Gerais e algumas cidades como São Paulo não tiveram isso
equacionado. JC - Alguns economistas propõem quitar a dívida coma União com crédito de bancos privados. É viável? Tonollier - O
setor financeiro privado não tem hoje R$ 500 bilhões para emprestar aos
devedores, e tudo dependerá da análise de risco. Poderemos emitir
título, mas o mercado vai comprar de quem está em dificuldades?
Pagaríamos possivelmente uma taxa mais alta, a exemplo de Grécia,
Espanha e Itália na atual crise. Se o juro for menor e a lei permitir a
emissão de títulos da dívida, seria um negócio razoável, não para todo o
passivo, mas para parte. JC - Qual é o êxito esperado das ações contra sonegação? Tonollier -
São duas frentes. Uma é a nota eletrônica no varejo, em que o
consumidor não precisa passar no caixa ou emitir cupom fiscal. O
vendedor faz a compra em um terminal, e o comprovante sai na hora ou
pode ser acessado pela internet. A outra campanha atinge setores que não
dão nota fiscal, que sonegam, com sorteio de prêmios e repasse de
recursos a instituições sociais. JC - Por que não foi adotado o
modelo da Nota Paulista, cujos créditos podem abater taxas (como IPVA)
ou podem voltar ao contribuinte? Tonollier - Porque as
experiências analisadas não mostraram grande entusiasmo sobre o seu
êxito, incluindo a de São Paulo. Aqui temos o apoio das entidades para o
que chamamos de cidadania fiscal. Claro, parte da população não se
mobilizará. Além disso, vamos combater a inadimplência. Elegemos mil
devedores com atrasos de oito das 12 últimas parcelas. Eles terão
monitoramento fino e poderão perder benefícios. O débito deste grupo é
de R$ 240 milhões. Queremos que eles parem de fazer isso.
(Fonte: Jornal do Comércio 30 de julho de 2012)
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