“A reforma tributária vai permitir um salto”
28/10/2010
Na busca de um “salto de competitividade” para o Brasil, Dilma Rousseff (PT) pretende apresentar, se eleita, a reforma tributária ao Congresso como prioridade de seu governo. Ela quer propor uma desoneração tributária especialmente sobre a folha de pagamento, remédios e energia elétrica – no caso da redução de impostos sobre a conta de luz, disse que pretende contar com a colaboração dos Estados. Na entrevista coletiva concedida ontem com a presença de representantes de 18 veículos do Grupo RBS, a candidata afirmou também que pretende unificar a legislação do ICMS: – A reforma tributária vai permitir que o Brasil dê um salto de competitividade, vai permitir que o Brasil cresça mais. Defendo que se desonere investimento, que se diminua a carga tributária sobre a folha de salário e que se unifique o ICMS sobre o mesmo produto, impedindo a concorrência desleal de alguns Estados. Prevista para durar uma hora, a entrevista foi reduzida a pedido do comando da campanha para poupar a voz de Dilma, desgastada pelo intenso roteiro do dia anterior (veja na página ao lado). Depois de responder às perguntas, já na despedida, passou a falar aos sussurros. Antonio Palocci, um dos assessores, havia imposto um limite de 20 minutos para a coletiva, mas Dilma se prolongou nas respostas e o encontro com os jornalistas do Grupo RBS terminou alcançando 40 minutos.
Reforma política é “essencial”
Outra reforma considerada “absolutamente essencial” por Dilma é a política, para reforçar os partidos, com financiamento público de campanha. Embora tenha afirmado que é preciso discutir questões como voto distrital, disse ter a intenção de “abrir a discussão de ambas com a sociedade”. Bem humorada, a candidata comentou se sentir à vontade ao falar para o Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo, e lembrou ter iniciado sua carreira entre os gaúchos. – E não tem gaúcho que não queira passar férias em Santa Catarina – brincou. Mesmo apressada, a candidata fez questão de apertar a mão não só dos jornalistas, mas dos funcionários da produtora de vídeo de onde a entrevista foi transmitida e gravada, em Brasília. No dia 22, o candidato José Serra (PSDB) participou de uma entrevista semelhante à de Dilma. A coletiva ocorreu nos estúdios da RBS TV em Porto Alegre.
Marcelo Rech (diretor-geral de Produto do Grupo RBS) – O Brasil precisa de reforma política? O que deve ser mudado?
Dilma Rousseff – A reforma política é absolutamente essencial para o Brasil. Entendo por reforma política, primeiro, toda uma iniciativa no sentido de reforçar os partidos, de melhorar a situação em termos de dar aos partidos consistência e legitimidade perante os cidadãos. Isso significa financiamento público de campanha. Segundo: cabe uma discussão profunda entre a questão do voto misto e do voto distrital. Quero abrir uma discussão ampla com a sociedade. O financiamento público de campanha é uma questão prioritária.
Moacir Pereira (RBS TV Florianópolis, Diário Catarinense e Jornal de Santa Catarina) – O SUS está em crise. A senhora tem alguma medida para resolver essa questão?
Dilma – É meu compromisso consolidar o SUS. Toda demanda de saúde desemboca nos hospitais, principalmente porque é no hospital que você encontra a forma de resolver o principal problema das doenças. Defendo a construção e a preparação das unidades de pronto atendimento 24 horas, que são unidades para atender as demandas de urgência e emergência. Essas unidades teriam exames, seriam capazes de atender questões mais emergenciais, como dar o primeiro atendimento. Defendo que o Brasil tenha policlínicas especializadas, porque um outro grande problema, que também os hospitais não resolvem, é a questão do atendimento no que se refere ao médico especialista e a exames especializados. As filas são longas, há demora de seis meses. Vou falar da Rede Cegonha. O Brasil tem de garantir o atendimento para suas gestantes e para seus bebês. É fundamental não só a clínica da mulher mas também maternidades de baixo risco e de alto risco. Defendo ainda que a gente tenha a Rede Cegonha estruturada na clínica da mulher, mas sobretudo também no Samu Cegonha. A universalização do Samu é algo essencial.
Klécio Santos (Editor-chefe da Sucursal de Brasília) – No que consiste sua proposta de reforma prisional? Prevê a participação da iniciativa privada?
Dilma – Em muitos Estados, os presídios se transformaram em plataforma para o crime. Aquela discussão do passado, se eu era ou não responsável pela segurança, temos de mudar o eixo. A União tem de participar junto com os Estados e também envolver os municípios no que se refere ao sistema prisional. Primeiro, assegurando que você separe a liderança do crime da massa carcerária, porque em muitos presídios é que se distribui o crack, que se define as ações criminosas. Vou continuar com a questão das penitenciárias de alta periculosidade. Nós já construímos quatro e eu pretendo construir mais penitenciárias, tantas quantas forem necessárias para que a gente atenda de frente o problema dessa separação.
André Machado (Rádio Gaúcha) – Que ações tomaria para reduzir o tabagismo e que alternativas seriam oferecidas aos produtores de fumo?
Dilma – Em termos de prevenção, é muito importante que haja campanhas esclarecedoras a respeito do uso do cigarro, de charutos ou de qualquer outro tipo de equivalente. E mostrar que isso compromete a saúde das pessoas. Regiões como Santa Cruz, eu acredito, dependendo do sucesso do programa, vão ter de ser reconvertidas, mas, atualmente, você não tem esse quadro, porque mesmo tendo diminuído, você ainda tem grupos que são fumantes.
Irineu Guarnier (Canal Rural) – Os produtores estão preocupados com endividamento do campo, mudanças no código florestal e reforma agrária. Como a senhora pretende enfrentar isso?
Dilma – Vou começar pelo endividamento rural. Nós fomos o governo, porque eu tenho orgulho de ter sido integrante do governo Lula, que fizemos, talvez, o maior refinanciamento das dívidas do setor rural do Brasil. Eu acredito que sempre quando se detectar que há, de fato, problemas nesta questão, na questão específica do crédito agrícola para atividades produtivas, eu acho que cabe renegociação de dívidas. A questão da reforma agrária é uma questão social. O que fizemos de estabilização no Brasil foi transformar o assentado num proprietário e num produtor. O passo seguinte é ampliar isso. Proponho que a gente eleve para mais 2 milhões os agricultores que têm acesso ao Pronaf, ao crédito. Dar assistência técnica, garantir demanda para que haja compra é a forma de estabilizar a questão agrária no Brasil. Eu não sou a favor de nenhuma forma de ser complacente com o desmatamento no Brasil. O mundo não nos perdoará. Não pense que o mundo nos perdoará se nós formos complacentes com o desmatamento. Então, muito cuidado com qualquer política de flexibilização do desmatamento, que comprometerá o agronegócio brasileiro. É importante que o Brasil tenha a consciência dessas duas dimensões: da dimensão da importância do nosso agronegócio, que não desmata para produzir, que nunca desmatou para produzir, e da dimensão do nosso país como sendo uma liderança na questão do clima.
Letícia de Oliveira (RBS TV RS) – Qual será a primeira proposta de reforma que pretende enviar ao Congresso?
Dilma – Eu tenho duas reformas que eu dou prioridade. Uma reforma é a tributária. Por que a tributária? Porque eu acho que a tributária pode e vai permitir, no meu ponto de vista, que o Brasil dê um salto de competitividade, vai permitir que o Brasil cresça mais. Eu defendo que se desonere o investimento, que se diminua a tributação sobre folha de salários e que se unifique o ICMS sobre o mesmo produto, impedindo concorrências desleais e a guerra fiscal. Acredito que alguns produtos merecem redução de tributos, é uma questão social grave. Por exemplo, tributação sobre remédios e sobre energia elétrica, temos de rever. Para se reduzir a tributação sobre a energia elétrica, é fundamental uma parceria entre a União e os Estados. A segunda questão é a reforma política. Acho prudente que a gente não faça e não coloque na pauta hoje a questão da reforma previdenciária. Porque toda vez que nós colocamos, provoca-se o efeito inverso: há uma corrida previdenciária.
Roberto Azevedo (Diário Catarinense) – O mesmo consumidor que reclama dos preços do supermercado não tem resistido ao crédito fácil do sistema financeiro. Isso é o princípio de uma bolha que o governo vai ter de atacar?
Dilma – De maneira alguma. Veja que o grosso do Minha Casa, Minha Vida é subsidiado. Sai do governo o subsídio e vai direto para o bolso de quem está comprando. De outro lado, no que se refere à compra de carro, de computador, eu vejo o seguinte: não existe país capitalista sem crédito. Se não fosse isso, esse país não estava crescendo. Ninguém cresce sem crédito. No Brasil, o que essas pessoas estão fazendo é comprar seus bens porque elas tiveram renda. Uma pessoa que teve emprego, desses quase 15 milhões de empregos que nós criamos nesse período, tem renda hoje para pagar sua prestação. E tem horizonte para pagar. A maioria desses contratos de financiamento se dá em prestações fixas que a pessoa vai lá e paga. O que está havendo no Brasil não é aumento de crédito, é aumento de renda, é salário no bolso do trabalhador.
Rosane de Oliveira (Zero Hora, Rádio Gaúcha e TVCOM RS) – O crack é um dos grandes flagelos do Brasil hoje. Como reduzir a entrada das drogas no país, combater o tráfico e melhorar o atendimento dos dependentes?
Dilma – Eu queria cumprimentar o Grupo RBS pela campanha (Crack Nem Pensar) porque acho que a prevenção é um dos eixos principais. É uma das iniciativas generosas da RBS. A primeira questão é o policiamento das nossas fronteiras. Você só faz o policiamento da sua fronteira utilizando tecnologia e treinamento de pessoal especializado no combate à droga. Hoje, no Brasil, quem tem capacidade de combater a droga na região de fronteira é a Polícia Federal. Nós criamos a lei do abate que permite que a gente derrube um avião transportando droga. Há uma parceria que é fundamental, e eu vou reforçar: Forças Armadas, Polícia Federal e as polícias civis e militares dos Estados de fronteira. A gente precisa reforçar as polícias civis e militares. Por isso, criamos a bolsa formação para esses policiais. Nós triplicamos o orçamento da PF. Outra questão que eu defendo: as clínicas especializadas. Defendo, além de clínicas, que o sistema público implante convênios e acordos com comunidades terapêuticas que se enquadrem em protocolo da Organização Mundial da Saúde para tratamento de drogas, especialmente o crack. Hoje, no Brasil, temos várias dessas clínicas, elas são de boa qualidade e fazem um trabalho muito importante. É bom lembrar que o viciado em crack necessita de um tempo de internação, não é três meses, não é seis meses, está em torno de um ano ou mais. É fundamental que no Brasil você tenha uma rede de tratamento do crack. Aí, eu sintetizo no seguinte: é apoio através das clínicas especializadas e das comunidades terapêuticas, apoio para aqueles que já são viciados e que a gente tem de tratar. É também prevenção para aqueles que não entraram, para os jovens e até para as crianças, para aqueles que não entraram saber que não pode entrar, saber que, se fizer uso uma vez, correm um imenso risco de se viciar. E fazer campanhas como essa da RBS que tem autoridade para combater o crack.
Marcelo Rech (diretor-geral de Produto do Grupo RBS) – Encerramos a entrevista. A senhora pode deixar uma mensagem aos eleitores.
Dilma – Fico feliz de falar aqui por meio da RBS com a população dos Estados do Sul, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, e, soube agora, também de São Paulo. Fico muito feliz porque é meu Estado de origem o Rio Grande, Santa Catarina também porque não tem gaúcho que não queira passar as suas férias lá. Essa foi uma campanha que me permitiu conhecer o Brasil mais uma vez, de me aproximar da população e de perceber que temos ainda muitas coisas a resolver. Nós encaminhamos, com o governo do presidente Lula, o Brasil para o rumo certo. Não resolvemos todos os problemas. Tem muitos problemas para serem resolvidos, em todas as áreas, mas nós encaminhamos o processo de solução. Tenho um grande compromisso, que é central: quero que o Brasil seja um país, uma sociedade de uma nação desenvolvida. Para o Brasil ser um país, uma sociedade e uma nação desenvolvida, temos de erradicar a miséria. Aprendemos com os últimos oito anos que, quando 28 milhões de brasileiros saem da miséria, o Brasil inteiro melhora. Porque cada um deles passa a ser um consumidor, um produtor, uma pessoa que passa a participar do mercado, passa a participar da sociedade, passa a ter direito e também deveres.
(Fonte: Zero Hora)
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