A ditadura militar brasileira foi foco de seminário do
Fórum Social Mundial (FSM) ontem, na Câmara Municipal de Porto Alegre. A
conferência Sobreviventes: Marcas das Ditaduras nos Direitos Humanos é
parte do projeto Direito à Memória e à Verdade, criado em 2006, que já
percorreu cerca de 60 cidades com exposições e debates sobre repressão
política e os mortos e desaparecidos do regime militar brasileiro.
Participaram especialistas em direitos humanos e profissionais que lidam
com a questão do acesso a documentos sobre os períodos de exceção.
A secretária de Direitos Humanos do Recife, Amparo Araújo, criticou
as ações contrárias ao Plano Nacional de Direitos Humanos. Ela, que é
também ex-presa política, disse que voltou a ter pesadelos devido às
críticas ao plano. "As forças conservadoras no Brasil estão vivas,
articuladas e prontas para entrar em cena", lamenta.
O jornalista Bernardo Kucinsky relacionou o tema com a própria
história de vida. Kucinsky teve parentes que foram perseguidos pelo
nazismo em 1940 e uma irmã morta pela ditadura militar. "O sobrevivente
vive no presente por algum tempo, mas logo ressurgem os demônios do
passado", afirmou.
O conselheiro da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, José
Carlos Moreira, observou que a lembrança do período ditatorial torna
latente sentimentos que os livros de história não conseguem mostrar. "A
preservação da memória traz consigo o elo da afetividade e do
pertencimento e contribui para a formação de um conceito de nação",
explicou. Para Moreira, ir contra o resgate histórico do regime militar
contribui para a manutenção de uma sociedade amnésica.
Durante o seminário, os participantes também criticaram a Lei da
Anistia brasileira. Para Moreira, o texto serve como pretexto para que
não existam investigações sobre os abusos cometidos na ditadura militar.
"A Lei da Anistia instaurou uma política de esquecimento", asseverou.
O secretário-executivo do Arquivo Nacional da Memória da Argentina,
Carlos Lafforgue, lembrou que, no seu país, o primeiro governo
democrático após o regime militar anulou a Lei de Anistia formulada
pelos ditadores antes de deixarem o poder. "Na Argentina ninguém está
pedindo perdão", afirmou.
Moreira comemorou a extradição do ex-coronel uruguaio Manuel Cordero,
que aconteceu no dia 23 de janeiro, a pedido da justiça brasileira. O
oficial vivia em Santana do Livramento e é acusado de crimes de
lesa-humanidade como tortura, assassinato e sequestro de militantes de
esquerda na Argentina e no Uruguai. "O Caso de Cordero abre uma
importante porta jurídica, a partir do momento em que se reconhece o
desaparecimento forçado enquanto crime", apontou.
Na tarde de hoje, na Câmara Municipal, outro painel vai debater a
impunidade durante o regime militar. Além disso, duas exposições
fotográficas sobre o assunto acontecem no Cais do Porto e na estação
central do Trensurb, em São Leopoldo.
Executivo de Arquivo Nacional conta experiência argentina
Carlos Lafforgue, secretário-executivo do Arquivo Nacional da Memória
da Argentina, explicou como é encarada a questão dos abusos cometidos
durante a ditadura militar em seu país. "Já temos mais de 550 oficiais
presos ou sob julgamento, e outras 1.270 ações estão sendo analisadas
pela Justiça", garante.
O Arquivo Nacional da Memória aproveitou a recente desclassificação
dos documentos da ditadura, promovida pelo governo da presidente
Cristina Kirchner, para solicitar informações sobre mais de 4 mil
agentes que atuaram na repressão política.
Lafforgue ressaltou que, na Argentina, cada um dos cerca de 500
locais de tortura identificados até agora possui um pilar de cimento com
os dizeres "aqui funcionou um centro de detenção clandestino durante a
ditadura militar". "Ações como essa fazem com que nunca se esqueça o
passado", destacou, acrescentando que, para ele, preservar a memória é
uma política pública de Estado.