A
contabilidade pública vai passar por profundas mudanças. A portaria nº
749, publicada no Diário Oficial da União no dia 15 de dezembro é a
maior revolução na área contábil pública depois da Lei n.º 4.320, de 17
de março de 1964 e da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, a
chamada Lei de Responsabilidade Fiscal. A mais significativa alteração
é que o registro de ativos e passivos da área pública passa a ser feito
pelo regime de competência. Dessa forma, os governos das três esferas
se apresentam de forma mais real, além de convergirem às normas
internacionais.
A partir da nova legislação, o que passa a
valer é o período de competência e não mais a data em que a despesa ou
a receita é efetuada. O lançamento do Imposto sobre Circulação de
Mercadorias e Serviços (ICMS), por exemplo, será contabilizado
antecipadamente. Hoje, o governo estadual faz o lançamento contábil
quando o dinheiro entra na conta. Pela nova legislação, terá que fazer
uma previsão antes de o tributo efetivamente estar à disposição,
através de uma estimativa.
No caso de um contribuinte pagar o
Imposto Predial Territorial Urbano (IPTU) com atraso de três anos, o
lançamento desse imposto será feito nos anos em que a receita deveria
ter entrado e não quando efetivamente a dívida for honrada. Também se
uma administração postergar o pagamento do 13º salário para o exercício
posterior, terá que contabilizar no mesmo ano em que deveria ter feito
o pagamento e não na data em que honrar a folha.
Outra mudança é
a de enfoque - do regime orçamentário para o regime patrimonial. Assim,
questões comuns à iniciativa privada, como depreciação do patrimônio,
agora irão fazer parte do balanço da esfera pública. Com isso,
municípios, estados e a União terão informações precisas sobre o valor
de cada item de seu patrimônio, desde uma classe escolar até um prédio
de determinado órgão público.
“É uma profunda transformação
da contabilidade do setor público, que agora se aproxima do setor
privado. Trata-se de um importante instrumento de gerenciamento das
finanças públicas”, destaca o contador e auditor-geral do estado do Rio
Grande do Sul, Roberval da Silveira Marques.
Todos os bens de
prefeituras, governos estaduais e federal serão avaliados através de
critérios técnicos. “O objetivo é dar uma maior transparência sobre uma
base real”, ressalta o coordenador-adjunto do Grupo Assessor das Normas
Públicas, Joaquim Liberalquino. Um prédio de escola, por exemplo, será
avaliado e terá calculada sua depreciação. Hoje, o governo não
contabiliza a depreciação do imóvel e não inclui esse custo no seu
orçamento. Quando havia necessidade de reforma, a despesa não era
prevista. A partir da Portaria nº 749, essa questão fica corrigida.
O
objetivo, definido pelo Conselho Federal de Contabilidade (CFC) e a
Secretaria do Tesouro Nacional (STN), é instituir as novas normas a
partir deste ano. Os prazos para conclusão em nível federal e nos
estados é 2012 e nas prefeituras em 2013.
Entre as vantagens
das novas regras estão informações mais precisas, consolidação e
uniformização dos dados com os padrões internacionais. Isso faz com que
o Brasil cumpra exigências de organismos financeiros, como o Banco
Mundial, a exemplo da União Europeia, dos Estados Unidos e da Nova
Zelândia.
Já os cidadãos terão acesso a informações
contábeis mais claras. “O resultado que o Estado irá apresentar será
mais próximo da realidade”, diz o chefe do setor de normatização da
Contadoria e Auditoria-Geral do Estado (Cage), da Secretaria Estadual
da Fazenda, Eduardo Oliveira Garcia. Essa maior precisão também será
percebida nas esferas municipais e federal.
Vantagens dos anexos incluídos na Portaria nº 749
No novo modelo de contabilidade pública, foram instituídos os seguintes itens:
• Demonstrações dos fluxos de caixa (anexo 18)
- através desse instrumento, os governos terão condições de mensurar se
têm condições financeiras de manter ou ampliar determinado serviço a
longo prazo. Dessa forma, os administradores podem avaliar a capacidade
de dar continuidade a determinado serviço. É um instrumento fundamental
para a elaboração do planejamento estratégico.
• Demonstrações das mutações no patrimônio líquido (anexo 19)
- vai informar a destinação que os bens têm. Servirá para evitar a
dilapidação. Através dessas informações, será possível saber como os
bens públicos estão sendo tratados, e indicam a necessidade de
reposição, manutenção ou venda do patrimônio.
• Demonstrações do resultado econômico (anexo 20)
- informa à população se o serviço prestado é realizado de forma
eficiente, comparando-o à iniciativa privada. Exemplo: faz um paralelo
do custo de atendimento hospitalar, indicando se o estado está gastando
mais ou menos para realizar o mesmo serviço que um hospital particular.
Iniciativa abre espaço para profissionais
A
portaria abre espaço para novos profissionais da área de contabilidade
e estabelece um perfil diferenciado de atuação da área pública.
“Aumenta a responsabilidade e o trabalho, pois as informações serão
mais detalhadas e a apuração vai exigir mais critérios de avaliação”,
explica o coordenador-adjunto do Grupo Assessor das Normas Públicas,
Joaquim Liberalquino.
Na avaliação de patrimônio, por exemplo,
serão definidas regras para avaliar a depreciação, que vai variar de
acordo com a finalidade de determinado item. Um caminhão de coleta de
lixo tem um cálculo diferente de um caminhão que transporta materiais
de construção e será avaliado levando essa questão em consideração.
Inicialmente,
o modelo será aplicado concomitantemente ao que está em vigor. Isso
significa mais trabalho para os contadores que trabalham na área. Sem
contar a necessidade de aprender as novas formas de divulgar os
balanços orçamentário (anexo 12), financeiro (anexo 13) e patrimonial
(anexo 14), além das demonstrações das variações patrimoniais (anexo
15) - que passam a obedecer regras mais específicas - e incluir as
demonstrações dos fluxos de caixa (anexo 18), das mutações no
patrimônio líquido (anexo 19) e do resultado econômico (anexo 20).
“A
mudança vai envolver os sistemas contábeis, o processamento de dados, a
cultura de trabalho”, explica o chefe do setor de normatização da
Contadoria e Auditoria-Geral do Estado (Cage), da Secretaria Estadual
da Fazenda, Eduardo Oliveira Garcia. Ele fala com propriedade. Garcia
integra o grupo técnico de padronização de procedimentos contábeis,
instituído pela Secretaria do Tesouro Nacional, e que é responsável
pela elaboração do Plano de Contas Nacional, ainda em estudo. “Essa é a
maior alteração na contabilidade pública desde 1964”, considera.
A
União já começou a fazer os ajustes para se adequar às mudanças e deve
disponibilizar o modelo adotado a estados e municípios. A proposta do
CFC e da STN é promover cursos para os técnicos federais conhecerem as
regras da portaria.
Rumo à padronização
A Portaria
nº 749 é um instrumento que atende às necessidades da área pública
enquanto dois projetos de lei que tratam do assunto são discutidos no
Senado Federal. Atualmente, a presidência do Senado deferiu a
convergência dos projetos nº 229 e 248, que contempla os anexos
constantes da Portaria 749. Pelo projeto, será revogada a Lei nº
4.320/64. A expectativa é que ainda este ano a proposta seja aprovada.
Todas
essas mudanças da contabilidade pública no Brasil têm como objetivo
seguir o padrão internacional, normatizado pelo International
Federation of Accountants (Ifac), principal organismo internacional da
área. A contabilidade societária já começou essa padronização a partir
de 2007, utilizando o padrão da International Accounting Standards
Board (Iasb), que emite as Normas Internacionais de Contabilidade,
denominadas IFRS (International Accountig Standards).
Nesse
sentido, uma série de medidas foram adotadas a partir de 2007. Naquele
ano, foi criado o Comitê Gestor de Convergência no Brasil, e a
Secretaria do Tesouro Nacional (STN) emite a portaria 136, criando o
grupo técnico de padronização de procedimentos contábeis.
Em
2008, o Ministério da Fazenda emite a portaria 184, na qual apresenta
as diretrizes para a convergência às Normas Internacionais de
Contabilidade para o Setor Público (na sigla em inglês Ipsas -
International Public Sector Accounting Standards), publicadas pela Ifac.
No
mesmo ano, a STN e a Secretaria de Orçamento Federal emitem uma
portaria aprovando os manuais de receita e despesa para o exercício
2009, na primeira edição do Manual de Contabilidade Aplicada ao Setor
Público e o Conselho Federal de Contabilidade emite as Normas
Brasileiras de Contabilidade Aplicadas ao Setor Público, no total de
dez normas, com adoção obrigatória desde 1 de janeiro de 2010.