A
partir deste mês, as empresas apontadas pela área de fiscalização como
devedoras sistemáticas poderão ter de conviver diariamente com um
fiscal dentro do estabelecimento controlando o caixa e toda a
movimentação financeira. A Instrução Normativa Receita Federal do
Brasil - RFB 979/09, publicada em 17 de dezembro no Diário Oficial da
União, regulamenta artigo da Lei 9.430, de 1996, que permite a criação
do Regime Especial de Fiscalização (REF). Além de sofrerem fiscalização
ininterrupta, as empresas sujeitas ao regime terão reduzidos à metade
os períodos de apuração e os prazos de recolhimento dos tributos. Um
imposto pago mensalmente, por exemplo, terá de ser recolhido a cada 15
dias.
O anúncio da medida foi feito um dia após a Receita ter
lançado um pacote de combate ao “planejamento tributário”, com aperto
tanto para as empresas como para as pessoas físicas. Segundo o
subsecretário de Fiscalização da Receita, Marcos Neder, o objetivo da
medida é dar mais pressão à percepção de risco dos contribuintes. “É
uma medida de exceção pela qual a Receita vai controlar a boca de caixa
da empresa”, afirmou. “A medida é dura, mas será usada com parcimônia.”
As
primeiras empresas colocadas em regime de exceção serão escolhidas este
mês. De acordo com Neder, as empresas sujeitas ao REF são grandes
devedores contumazes, e frequentemente autuadas pela Receita, mas
continuam no mercado, prejudicando a concorrência. O perfil, no
entanto, não é necessariamente o de grandes empresas. Ele destacou,
porém, setores em que é mais comum a sonegação, como combustíveis,
bebidas, cigarros e a área de importação. Neder disse que havia uma
grande pressão dos contribuintes que pagam tributos em dia e também dos
fiscais da Receita para que o REF fosse regulamentado.
O
dirigente da Receita comparou o sistema de arrecadação a uma caixa
d’água de um prédio, que precisa de pressão para encher mais depressa.
A caixa d’água é a arrecadação do governo, e, a pressão, a fiscalização
da Receita. “O que garante a arrecadação é a certeza de punição do
infrator. É a sensação de risco”, defendeu Neder. Conforme o
subsecretário, o fato de as empresas devedoras contumazes continuarem
operando, apesar de várias autuações da Receita, enfraquece o poder de
fiscalização. Mas destacou que, pelo entendimento do Supremo Tribunal
Federal (STF), a Receita não tem poder de fechar uma empresa por ser
devedora recorrente do Fisco.
As empresas que forem incluídas
no REF passarão ainda por um controle eletrônico diário. As emissões de
documentos comerciais e fiscais da movimentação financeira também
ficarão sob controle dos auditores. A multa para as incluídas no REF é
maior: 150% do valor sonegado.
Para o consultor tributário
Amarildo Almeida Barboza, sócio da empresa Capital Tributário, a adoção
da medida por parte da RFB não causa surpresa, visto que nos últimos 11
meses a arrecadação apresentou quedas consecutivas motivadas pela crise
financeira mundial, o que obrigou o governo a promover a desoneração do
IPI para alguns setores da economia, dentre eles o automotivo,
eletrodomésticos da chamada linha branca e móveis. O objetivo foi o de
fomentar a economia durante a crise e, agora, faz com que o governo
decida combater a sonegação de forma mais dura e, assim, tentar
recuperar débitos tributários e compensar a queda da arrecadação.
“A
medida pode ser interpretada de forma positiva se resultar no combate
eficaz à sonegação, ao contrabando, à eliminação das empresas de
fachada e, assim, permitir que os contribuintes que agem de forma
lícita possam ser mais competitivos em seus mercados de atuação”,
opinou Barboza. “Por outro lado, se a medida tiver apenas cunho
arrecadatório, para compensar as perdas de 2009, fazendo com que a
Receita passe a autuar empresas deliberadamente, aplicando multas
estratosféricas, muitas vezes de forma arbitrária, não resta dúvida de
que isso não terá o efeito esperado pelo governo.”
O
subsecretário Neder negou que a medida tenha alguma relação com os
impactos da crise financeira internacional na arrecadação. “A Receita
está tentando recuperar crédito tributário de empresas que estão sempre
infringindo a lei e continuam operando. Vamos dificultar a vida dessas
empresas.” Do ponto de vista do contador Rafael Viegas, sócio da Reviza
Assessoria Tributária e Contábil, o que mais causa estranheza é o fato
de a RFB alegar falta de recursos humanos para proceder as
fiscalizações e analisar pedidos de ressarcimentos de contribuintes,
mas instituir regime especial que prevê a possibilidade da manutenção
ininterrupta de agentes fiscais nos estabelecimentos eleitos para a
aplicação de tal regime. “A atribuição de poder demasiado ao agente
fiscal pode acarretar abusos, perseguição e represália a
contribuintes”, alertou.
Maiores companhias estão na mira da Receita
As
grandes empresas contribuintes estão no alvo da Receita Federal. E
novas medidas serão adotadas em breve para apertar o combate ao
planejamento tributário que é feito pelas companhias que tentam pagar
menos imposto. “Estão vindo algumas ‘maldades’ por aí. Aos poucos,
vocês vão ver”, antecipou o subsecretário de Fiscalização da Receita,
Marcos Neder. Conforme a Receita, é o planejamento tributário que tem
feito com que cerca de 50% das empresas que declaram o IR pela
sistemática de lucro real - justamente as de maior faturamento -
registrem prejuízo na sua contabilidade fiscal. O problema é que as
declarantes pelo lucro real são responsáveis por 70% da arrecadação
tributária.
A Receita vai combater o planejamento tributário
por meio de dois caminhos: fechando as brechas na legislação e
questionado a legalidade das operações de planejamento tributário junto
ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), que é o tribunal
administrativo ao qual os contribuintes podem recorrer quando são
autuados pela fiscalização. A Receita também editou, em 17 de dezembro,
portaria com as normas de fiscalização dos grandes contribuintes para
2010, um grupo de 10.568 empresas que são responsáveis por 80% da
arrecadação. Essas empresas, que têm receita bruta anual superior a R$
80 milhões, estão sujeitas a um acompanhamento diferenciado. Nesse
grupo de empresas, estão 2.149 empresas que têm faturamento acima de R$
370 milhões por ano e que estão sujeitas a um acompanhamento especial
ainda mais rigoroso. “A fiscalização está se estruturando para vigiar
especificamente os grandes”, disse.
De acordo com o contador
Rafael Viegas, a discussão da legalidade das operações de planejamento
tributário é antiga e sempre esteve pautada em avaliar se os negócios
jurídicos declarados são os efetivamente realizados, ou seja, a
comparação entre a forma e a essência. “O planejamento tributário não
pode ser pautado em simulação, abuso de forma, fraude a lei, dentre
outras formas ilícitas”, defendeu. Para ele, todas as empresas devem
planejar suas atividades no intuito de reduzir a tributação de suas
atividades ao menor nível permitido pela legislação. “Atualmente, essa
é uma medida gerencial para que a empresa mantenha-se competitiva; eu
diria quase uma questão de sobrevivência.”
O consultor
tributário Amarildo Almeida Barboza destaca ainda que o planejamento
tributário não pode ser confundido com uma receita de bolo. “A
estratégia adotada por uma empresa nem sempre funciona para outra,
ainda que sejam do mesmo segmento”, enfatizou. “Deve ser desenvolvido
de forma personalizada, levando-se em consideração as situações
específicas de cada organização.”
Créditos do PIS e Cofins ganham novas regras
A
partir de 1 de fevereiro de 2010, empresas interessadas em solicitar
crédito tributário relativo ao Programa de Integração Social (PIS) e à
Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) terão
de fazer a declaração prévia das notas fiscais relativas ao pagamento
do imposto. Sem informar essas notas, as empresas não poderão solicitar
ressarcimento relativo a esse tributo ao Fisco. Instrução Normativa da
Receita Federal, publicada em 21 de dezembro no Diário Oficial, tem o
objetivo de impedir fraudes nesse tipo de operação.
Segundo o
assessor do gabinete da Receita, Carlos Roberto Occaso, os novos
procedimentos reforçam os sistemas de controle e passarão a dar mais
segurança ao Fisco. O novo procedimento já é adotado para a maioria dos
créditos tributários, como o IR, CSLL e IPI, entre outros.
Com
a mudança, uma empresa que quiser solicitar créditos relativos ao PIS e
Cofins deve, antes, informar em uma declaração eletrônica específica
todas as operações que criaram tais créditos. A entrega desse documento
vai gerar um código que deverá ser informado no pedido de ressarcimento
de PIS e Cofins. Sem esse número de protocolo, não será possível pedir
a devolução do crédito.
Atualmente, empresas solicitam o
crédito de PIS e Cofins, mas a apresentação dos documentos acontece
apenas caso a Receita intime o contribuinte a entregar os papéis. Dessa
forma, nem todos os contribuintes apresentam documentos ao Fisco, o que
aumenta a possibilidade de fraudes.
Pelo novo sistema, caso
haja irregularidade nas declarações, a Receita pode negar a homologação
desse crédito tributário e a empresa estará sujeita a uma multa de 75%
sobre o tributo declarado indevidamente. Caso o contribuinte seja
contatado pela Receita, mas não atenda as solicitações, a multa sobe
para 112,5% do valor relativo ao crédito.
A Receita também
informou que, a partir de fevereiro de 2010, todos os pedidos de
ressarcimento tributário, não apenas do PIS/Cofins, mas também de
outros tributos, só poderão ser entregues à Receita com o uso de
certificação digital. O procedimento, que já é usado para a entrega da
declaração de IR das pessoas jurídicas, também passará a ser exigido
para o pedido de devolução de crédito tributário.
“Trata-se
esta de uma medida que gera, ao mesmo tempo, ruins e bons efeitos”,
opinou o advogado e professor de Direito Tributário Fábio Canazaro.
Segundo ele, os efeitos ruins decorrem do fato de o contribuinte, mais
uma vez, se deparar com nova obrigação acessória. “Com certeza, no
primeiro momento, a burocracia aumenta, dificultando o processamento e
o ressarcimento imediato dos créditos”, disse.
Por outro
lado, os efeitos bons decorrerão do melhor controle que é exercido pela
Receita, o que gerará, em longo prazo, uma rotina mais prática na
apreciação desses processos.
Canazaro acredita que também o
controle em relação a créditos inexistentes ou em discussão será mais
eficaz, possibilitando um menor campo de discussão. “Tudo isso,
futuramente, deverá reverter em prol dos contribuintes, com agilidade
na conclusão de seus pedidos”, apostou o advogado. “Entretanto,
mantenho minha posição de que não é este o melhor procedimento. Nesse
sistema, seguem os certos pagando pelos errados.”
“É
importante ressaltar que esta medida não atinge as empresas obrigadas à
Escrituração Fiscal Digital e também não se aplica nos casos pedidos de
restituição ou compensação decorrentes de pagamentos indevidos ou a
maior”, considerou o consultor tributário Amarildo Almeida Barboza.