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Equilíbrio nas contas do Estado é instável, avalia Brum Torres

04/01/2010


Guilherme Kolling

Duas vezes secretário estadual do Planejamento, João Carlos Brum Torres (PMDB) avalia que o atual equilíbrio das contas do Estado é instável, já que depende de fatores externos como crescimento da economia e, por consequência disso, da arrecadação. Também observa que o ajuste fiscal foi feito nos últimos quatro governos - Antonio Britto (PMDB), Olívio Dutra (PT), Germano Rigotto (PMDB) e Yeda Crusius (PSDB) - à custa de diminuição de investimentos e sucateamento de serviços públicos, inclusive em áreas importantes, como segurança e educação.

Embora defenda a necessidade de manutenção do esforço para evitar o aumento da dívida pública, Brum Torres aponta que o próximo governante gaúcho deve trabalhar para valorizar o funcionalismo público, recuperando a inteligência do setor, hoje quase restrita à Secretaria da Fazenda. Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, o ex-secretário projeta, ainda, uma polarização entre PMDB e PT na disputa ao Piratini, defendendo uma agenda mínima dos dois partidos, antes das eleições, para garantir o avanço do Estado.

Jornal do Comércio - Como o senhor avalia as contas públicas do Estado?

João Carlos Brum Torres - Um dado estrutural é a relação do PIB (Produto Interno Bruto) com a receita própria estadual. Em qualquer estatística comparativa entre a economia dos estados, o Rio Grande do Sul fica na quarta posição. Mas nesta lista, nunca estamos acima da 14ª posição, chegando até a 20ª. Isso mostra que a receita pública própria do Rio Grande do Sul, comparada ao PIB, é muito baixa. E a nossa estrutura governamental não é menor do que os demais estados.

JC - O gasto com pessoal é o mesmo?

Brum Torres - O Ipea fez uma pesquisa sobre gasto de pessoal entre 1996 e 2002. O único entre os 27 estados que apresentou uma tendência declinante de gasto com pessoal em relação à receita, nesse período, foi o Rio Grande do Sul. Em todos os estados esse número aumentou. Isso mostra que, independentemente dos governos, vem sendo feito um esforço de ajuste fiscal, de controle do gasto com pessoal e de custeio. Tem um processo saneador que é antigo; vem, pelo menos, desde o governo do Britto. O atual governo enfatizou ainda mais isso, conteve mais o gasto e, principalmente, teve uma recuperação de receitas muito importante.

JC - O equilíbrio das contas se deve a esse aumento na receita?

Brum Torres - Principalmente ao crescimento de receita extraordinário, que se deveu à recuperação do PIB gaúcho e à expansão do mecanismo de substituição tributária, que começou na administração Rigotto e que se deu continuidade e foi ampliado (com Yeda). Agora tem o ponto de equilíbrio que se está alcançando, mas com uma prestação de serviços muito precária.

JC - Isso é culpa do ajuste fiscal?

Brum Torres - Não se deve atribuir somente à Yeda. Para o Presídio Central se tornar o pior do Brasil, é porque há muito tempo estamos fazendo investimentos baixos nessa área, por conta do ajuste de contas. A divisão por governos engana um pouco e o debate eleitoral faz com que a gente não perceba tendências que são permanentes. O setor público gaúcho vem procurando fazer economia há vários governos - o do PT também foi austero. E não se faz isso impunemente. A prestação de serviços está afetada por isso, especialmente na segurança e na educação. Na infraestrutura também, há muito tempo.

JC - E os investimentos previstos pelo governo?

Brum Torres - O investimento programado para 2009 era de R$ 1,25 bilhão e o governo não realizou isso. Mas, mesmo que realizasse, se compararmos a São Paulo, onde (José) Serra (PSDB) anunciou que executou na íntegra o investimento de R$ 20 bilhões... O Rio Grande do Sul representa 10% do PIB brasileiro, São Paulo, 35%. Mas o investimento de São Paulo é 20 vezes maior. O setor público gaúcho está muito limitado.

JC - A governadora salienta o aumento do orçamento do Estado de R$ 21 bilhões, em 2007, para R$ 32 bilhões em 2010, com equilíbrio entre receita e despesa.

Brum Torres - É um crescimento expressivo, quase 50%. A única explicação para isso é que o padrão de arrecadação nesses últimos anos se mantém. Mas o equilíbrio das contas passa por investimentos muito baixos, prestação de serviços deteriorada, e sob condições de PIB crescendo a 5%. É um equilíbrio que depende de crescimento econômico forte e preservação dos custos baixos do setor público.

JC - O senhor está dizendo que o equilíbrio depende de "circunstâncias"?

Brum Torres - Essas considerações servem para pontuar algumas coisas. Primeiro, o esforço de ajuste fiscal tem sido feito há vários governos. Segundo, isso está trazendo sérios prejuízos à qualidade e à quantidade da prestação de serviços públicos no Estado. E, terceiro, está dependendo de taxas de crescimento do PIB na ordem de 5% ao ano. Isto mostra que o equilíbrio fiscal no Rio Grande do Sul continua problemático. É instável: depende de desempenho econômico e da contenção de gastos em níveis que não são satisfatórios. E cobra o preço, que é investimento baixo, servidores desmotivados e deterioração dos serviços. Não estou dizendo isso como crítica à governadora. Isso é uma tendência estrutural.

JC - Essas questões que o senhor levanta devem chegar ao debate eleitoral. O senhor aposta em polarização entre PT e PMDB ou acredita no crescimento da governadora ou de uma via alternativa?

Brum Torres - Desconfio desses índices que têm aparecido, de menos de dois dígitos. No processo eleitoral ela (Yeda) passa dos 10%, com certeza. Mas a tendência é o confronto PT-PMDB. Acho que ambos podem vir a compreender que o Rio Grande do Sul tem tudo a ganhar se houver um entendimento mínimo de composição entre os dois partidos, em função dos grandes interesses do Estado. Há uma necessidade de manter a sanidade fiscal, mas é preciso se dar conta de que algumas coisas do ajuste fiscal foram longe demais.

JC - O quê, por exemplo?

Brum Torres - Neste processo, houve uma deturpação da inteligência do setor público. Quando comecei nessas atividades de preparar plano de governo, tinha um bloco de pessoas competentes na área da Fazenda, nas empresas estatais havia um grupo importante de pessoas com uma visão boa do Estado, depois o pessoal da Fundação de Economia e Estatística (FEE). Nesse processo de ajuste, uma parte dessas cabeças do Estado foi privatizada ou foi envelhecendo. Há um processo de enxugamento, por força da política de conter gastos. O quadro não se renova, não há melhora nos salários e isso desestimula. Então, a inteligência do Estado hoje está reduzida a um pequeno grupo - não tão pequeno - de quadros técnicos de origem fazendária.

JC - A inteligência ficou restrita à Secretaria da Fazenda?

Brum Torres - Essa é a razão pela qual em todas as secretarias no Estado do Rio Grande do Sul as posições mais importantes são de quadros da Fazenda. Isso também cria uma distorção na ótica do governo. Então, tem uma recuperação da inteligência do setor público a ser feita no Rio Grande do Sul. Serviços em relação à área urbana, por exemplo. A Metroplan é uma instituição absolutamente sucateada, quase inexistente. Isso não é uma responsabilidade de Yeda. O governo do Estado e os comandantes deste processo de ajuste - eu próprio - somos responsáveis por isso.

JC - Como manter o ajuste fiscal e recuperar a qualidade dos serviços públicos?

Brum Torres - Quando há muitos anos de ajuste fiscal, a tendência é considerar que os servidores são a causa do problema. Deve haver uma valorização, uma recuperação da imagem e da importância do servidor público no Rio Grande do Sul, que é difícil, porque envolve também negociações salariais. É um ponto de equilíbrio muito difícil de ser alcançado, mas se não tentarmos resolver isso, deteriora-se cada vez mais o serviço, estamos chegando numa espécie de ponto-limite. O governo está muito sucateado.

JC - E os projetos do governo?

Brum Torres - A ideia da escola de governo era muito boa, discutir a reestruturação dos planos de carreira é uma boa ideia - a governadora nesse ponto não erra. Não estou dizendo que é fácil fazer ou que um outro governo vai fazer, mas há um desafio de gestão, de conseguir essa reestruturação da máquina pública sem conflagrá-la. Esse governo não está conseguindo. Britto também não conseguiu. No governo Rigotto, fomos muito mais cautelosos, menos ousados em propor mudanças na estruturação dos serviços.

JC - O ajuste fiscal afeta os outros Poderes?

Brum Torres - Tem se centrado basicamente nas contas do Poder Executivo. A prestação dos serviços judiciários não só não foi afetada como foi ampliada. O esforço de ajuste fiscal não foi distribuído de uma maneira justa. Então, temos condições de trabalho no Ministéiro Público e Judiciário muito boas - mesmo as da Assembleia são melhores do que as do Executivo. E a razão é que houve resistência dos demais Poderes, que afirmaram a tese da autonomia, e os gestores trabalharam em cima do Poder Executivo. Isso faz com que haja um perfil perverso de distribuição dos ônus do ajuste fiscal, em que se sucateia os serviços do Executivo.

JC - Que medidas podem ser tomadas para que o equilíbrio das contas no Estado não afete tanto os serviços e seja mais estável?

Brum Torres - Tem uma coisa estrutural e que é difícil de mexer: o equilíbrio federativo no Brasil não é bom, temos uma tendência de grande centralização de recursos na União. O Rio Grande do Sul está sendo particularmente afetado por isso. O Estado sofre enormemente por ser exportador. E temos uma grande produção pecuária que não paga ICMS. Essa é a razão pela qual a nossa relação PIB-receita é muito baixa, porque tem muita isenção estrutural: exportados e produtos primários. Isso cria um desequilíbrio estrutural de contas. E implicaria uma política federativa mais sensível a essa particularidade do Rio Grande do Sul, no mínimo com a questão de uma compensação pela perda da receita de exportação mais efetiva.

JC - Mas isso é falado há tempos, sem resultados.

Brum Torres - Seria muito importante introduzir essa discussão com as autoridades federais. Isso vale para qualquer um dos atuais candidatos (a governador), é uma questão que deveria ser resolvida. Não é porque o governo federal tem ignorado esse tipo de questionamento e tem entendido isso simplesmente como uma queixa.

JC - Como alterar esse quadro?

Brum Torres - Deve haver uma ação coesa. Não temos sido capazes de fazer com que o Rio Grande do Sul seja uma voz mais ouvida no cenário nacional. Mas olha o segundo mandato do governo Lula: o Rio Grande do Sul tem uma participação muito importante com ministros (Dilma Rousseff, Tarso Genro, Nelson Jobim, Guilherme Cassel). O Estado continua a gerar lideranças, mas a conexão dessas lideranças com o Estado é muito mais tênue do que foi no passado. Reconheço que mudar regras na órbita federativa é muito difícil, tanto que a reforma tributária não sai. Mas é preciso insistir com o governo federal, ter uma representação congressual mais ativa.

JC - De que forma?

Brum Torres - A iniciativa do deputado Ibsen Pinheiro (PMDB) de propor uma distribuição igualitária dos recursos do pré-sal é uma questão essencial. O deputado Beto Albuquerque (PSB) foi o primeiro a chamar a atenção para isso e o projeto do Ibsen deu a primeira resposta possível para o encaminhamento dessa questão. Lamentavelmente não se viu uma movimentação massiva do Estado. E a unidade do Rio Grande do Sul, não só no sentido de pedir apoio de entidades, mas uma ação política concentrada e interpartidária, é importante. Esse clima de polarização não nos ajuda. É preciso buscar posições mais unificadas.

JC - É possível isso em ano eleitoral?

Brum Torres - O confronto principal provavelmente vai ser entre o candidato do PMDB (José Fogaça) e o candidato do PT (Tarso). Ambos devem estar conscientes de que o entendimento entre esses dois partidos é uma condição para a melhora da posição do Rio Grande do Sul no contexto nacional. Deveria haver um pacto de, pelo menos, uma oposição construtiva, por ambas as partes.

JC - O perfil dos candidatos pode facilitar esse entendimento entre PT e PMDB?

Brum Torres - Pode e eles são conscientes disso. Falei com o ministro Tarso e ele afirmou que não pretende fazer uma campanha tão polarizada como fez em anos anteriores. No PMDB, isso é uma convicção, aliás, o nosso estilo sempre foi esse. A situação no atual governo é daquilo que não se deve fazer: uma atitude arrogante em todos os assuntos, com a pretensão de ter descoberto a fórmula para todos os problemas do Estado. Isso fez com que, de saída, o governo já fosse recebido com uma certa resistência. A governadora também tem um estilo muito autossuficiente. Fogaça e Tarso deveriam incorporar aos seus programas de governo a ideia de que o Rio Grande do Sul precisa de um entendimento básico entre suas forças políticas principais. A reforma do setor público sem entendimento dos dois partidos (PT e PMDB) não é viável.

JC - Nessa tese da busca de o Estado ser ouvido em Brasília, o PMDB gaúcho apoia Dilma ou prevalece a ala do partido mais simpática a Serra?

Brum Torres - Dilma tem mais condições de realmente enxergar o Rio Grande do Sul de uma maneira mais adequada do que o Serra, sem dúvida. Agora, decisões de apoiar um ou outro envolvem questões partidárias.



(Fonte: Jornal do Comércio)

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