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Afocefe denuncia falta de pessoal na fiscalização em reportagem do Jornal do Comércio

19/11/2009

Ladrões estão trocando o asfalto pelas ruas da cidade 


Equipamentos de segurança nos caminhões e facilidade de roubo e de entrega para receptadores fazem as quadrilhas migrarem para as cidades e terminais de embarque

Cláudia Borges

Polícia Rodoviária Federal reclama que as transportadoras esquecem de comunicar o delito. Fábio Coutinho/Agif/Folhapress/JC

Polícia Rodoviária Federal reclama que as transportadoras esquecem de comunicar o delito. Foto: Fábio Coutinho/Agif/Folhapress/JC

O assalto a mais uma empresa transportadora no domingo da semana passada só veio confirmar que o roubo de cargas é um problema cada vez mais corriqueiro e habitual no País e no Estado. Praticados por quadrilhas meticulosamente organizadas, além dos prejuízos financeiros incalculáveis e muita incomodação, os delitos também acabam causando situações ainda mais cruéis, como a disseminação do medo e do sentimento de desconfiança. 

A invasão à empresa, localizada em Cachoeirinha, aconteceu por volta das 23h30min do domingo, dia 8, por um grupo de pelo menos 16 assaltantes encapuzados e armados. Depois de render os funcionários e motoristas terceirizados e trancafiá-los em uma sala, o bando foi embora levando três caminhões carregados principalmente de televisores de plasma e pneus.

Na noite do dia seguinte, a polícia encontrou os três caminhões e parte da carga roubada em um depósito em Gravataí.  Uma mulher, que estava no local, foi presa sob a acusação de receptação de mercadorias. O grupo que praticou este roubo é suspeito de ataque a pelo menos outros seis estabelecimentos - quatro empresas e dois bancos. 

O local escolhido como alvo pela quadrilha também comprova que a ação dos “piratas do asfalto” não se restringe apenas às estradas. Eles também estão tomando conta das ruas das cidades. O presidente do Sindicato das Empresas de Transporte de Cargas e Logística no Estado do Rio Grande do Sul (Setcergs), José Carlos Silvano, explica que como as transportadoras passaram a instalar equipamentos de segurança nos caminhões que circulam nas estradas, os assaltantes passaram a atacar caminhões de coleta e entrega e terminais de cargas nas cidades e em regiões conurbadas. “As quadrilhas migram de nicho criminal e se reorganizam muito rapidamente. E, os alvos não são aleatórios, são bem estudados”, destaca Silvano.

Na maioria dos casos de roubos de cargas, os ladrões recebem informações de funcionários ou de terceirizados que trabalham na própria transportadora ou no embarcador, afirma o delegado Guilherme Wondracek, da Delegacia de Polícia de Repressão ao Roubo e Furto de Cargas. “São eles que repassam as informações sobre a mercadoria que será transportada, as rotas que serão usadas e os horários”, revela. Mas lembra que só há roubos porque existem receptadores. “Já recuperamos cargas roubadas em estabelecimentos comerciais bastante conhecidos”, revela.

Apenas 40% dos crimes são nas estradas, 39% com veículos rodando

No Brasil, 70% do montante dos roubos de cargas estão concentrados no estado de São Paulo. Deste total, 60% acontecem no perímetro urbano e os outros 40% nas estradas.

No Rio Grande do Sul, os registros indicam que Porto Alegre e Região Metropolitana, Vale dos Sinos e Vale do Paranhana são os locais mais visados em função da grande quantidade de indústrias e terminais de cargas. 

As rodovias mais vulneráveis são a BR-116, a BR-386, a BR-392 e a BR-285. De acordo com Ernesto Lorenzoni, diretor da GPS Pancary - empresa corretora de seguros e gerenciadora de riscos - 61% dos roubos acontecem com os veículos parados e 39% quando estão rodando.

As cargas campeãs de roubos são polietileno, medicamentos, calçados, pneus, eletroeletrônicos, equipamentos de informática, autopeças e alimentos.

Os horários com maior concentração de roubos nas cidades são das 9h às 12h e das 13h às 18h. De acordo com o capitão Alexandre Pinheiro, do Batalhão Rodoviário da Brigada Militar, de 2006 a 2009 foram registradas as ocorrências de 64 roubos de cargas nas estradas estaduais e os alvos preferidos foram cargas de medicamentos e cigarros.  “O sistema de GPS, usado pelas transportadoras não está dando segurança, porque já existem bloqueadores de sinal que são usados pelos marginais, feitos em casa ou comprados facilmente pela internet”, alerta Pinheiro.

A Polícia Rodoviária Federal (PRF), nos primeiros dez meses do ano, tem em seus registros três assaltos a veículos de carga e um saque ocorridos no Rio Grande do Sul. E o número de detidos chega a 21 assaltantes de carga. Em nível nacional, foram computados pela PRF 332 assaltos a veículos de carga e 5.722 saques, além da detenção de 175 assaltantes.

O chefe da sessão de policiamento e fiscalização da Polícia Rodoviária Federal, Assis Fernando da Silva, explica que os comparativos estatísticos ficam prejudicados. Pois, normalmente as transportadoras se preocupam em fazer o registro do roubo na polícia civil e se esquecem de comunicar à PRF. 

Para Silva, o mais importante é que as empresas evitem divulgar informações sobre roteiros e itinerários dentro de suas dependências. “Pois as ocorrências comprovam que, em muitos casos, as informações são repassadas aos ladrões por pessoas das próprias empresas”, salienta o policial.

Setcergs e assembleia formam comissões para buscar soluções

Para encontrar uma solução para a onda de crimes ao patrimônio, a sociedade, através dos seus órgãos representativos, também está se mobilizando. É o caso de iniciativas como a do Setcergs e da Assembleia Legislativa, que criaram comissões para tratar do assunto. No Setcergs, a Comissão Permanente de Seguros, Segurança e Roubo de Cargas tem como objetivo principal formar um banco de dados que possa auxiliar a polícia no combate ao crime organizado.

Este trabalho será viabilizado, explica o coordenador da comissão,o diretor do Setcergs, Jaime Kras Borges com um trabalho  conjunto com a Polícia Rodoviária Federal, a Polícia Civil, a Brigada Militar e a Secretaria da Fazenda, através da unificação das informações.

Borges afirma que a comissão já tem agendada uma reunião com integrantes do Pró-Carga, que vão falar sobre as ações deste programa de combate ao roubo de cargas criado pela Secretaria de Justiça e Segurança do estado de São Paulo. A comissão também defende a regulamentação da Lei Complementar 121/06 que prevê uma punição mais dura aos receptadores de carga. “O grande problema são os receptadores, pois se os ladrões não tivessem para quem vender a carga não haveria roubo. Por isso pleiteamos uma ação mais engajada da Secretaria da Fazenda, atuando na fiscalização das notas fiscais”, afirma Borges.

A Assembleia Legislativa também está empenhada na luta contra o roubo de cargas. Para debater este e outros temas que envolvem o transporte rodoviário de cargas, foi criada a Subcomissão dos Caminhoneiros, presidida pelo deputado estadual Francisco Appio (PP).  Na primeira reunião realizada na semana passada, o tema em debate foi roubo de cargas e o desaparecimento de motoristas.    

Appio explicou que a Subcomissão tem o objetivo de estabelecer uma ligação transversal entre o governo, através de seus órgãos de segurança e fiscalização, o legislativo e as entidades que representam os transportadores e trabalhadores do setor.

Proteção chega a representar 12% do valor do frete


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Com medo de se tornarem alvos fáceis, as empresas de transporte são obrigadas a investir pesado para reduzir os riscos. “Os gastos com segurança representam de 3% a 12% do valor do frete. Neste cálculo entram os custos da transportadora com vigilância patrimonial e pessoal e - que inclui circuito de televisão e seguranças -, compra de equipamentos de monitoramento, contratação de seguro e de uma gerenciadora de riscos”, revela o presidente do Setcergs, José Carlos Silvano. A parcela que é destinada para a segurança funciona quase como um pedágio disfarçado. Um custo morto, que no final das contas, será pago pelo consumidor final.

Para o diretor da Kieling Logística, Alberto Kieling, um bom gerenciamento logístico ajuda a minimizar a ação dos ladrões, mas com um custo bastante alto. Que pode ser ainda pior se a empresa for roubada. No caso de mercadorias com valor elevado, destaca o diretor da ABTI, Francisco Cardoso, é montado um “verdadeiro esquema de guerra”, com caminhões andando em comboio e com escoltas armadas. Mas, mesmo correndo riscos, da frota de quase dois milhões de caminhões registrados na Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), apenas cerca de 300 mil caminhões utilizam equipamentos de monitoramento e de rastreamento.

O diretor da GPS Pamcary - corretora de seguros e gerenciadora de riscos -, Ernesto Lorenzoni, acredita que a principal ferramenta contra o roubo de cargas é a seleção do pessoal contratado. Por isso, entre os seus produtos, a Pamcary oferece o Telerisco, ferramenta que permite aos transportadores obter informações sobre os caminhoneiros antes de contratá-los.

Lorenzoni explica que a seleção é feita a partir das informações de um banco de dados formado ao longo de 20 anos. “Mas, o mais importante é que as empresas escolham uma empresa séria para fazer uma boa análise de riscos e indicar o pacote de soluções com base nas necessidades reais do perfil da carga que é movimentada”, destaca ele.


Afocefe critica falta de fiscais nas estradas

Para os empresários não há dúvidas de que os receptadores são os verdadeiros vilões da pirataria, seja ela praticada no asfalto ou nas cidades. Mas para inibir a ação dos receptadores são necessárias mudanças nafiscalização e na legislação. Para o presidente do Sindicato dos Técnicos do Tesouro do Estado (Afocefe), Elton Nietiedt, é preciso garantir uma fiscalização mais ofensiva nas notas fiscais das mercadorias em circulação. “A Secretaria da Fazenda teria condições de descobrir os receptadores exigindo notas das mercadorias no ato da fiscalização, mas só fiscalizamos o que é legal. As empresas ilegais não são fiscalizadas”, afirma Nietiedt. 

Ele reclama ainda do fechamento de postos de fiscalização e de outros que têm apenas10 fiscais para atuar num trecho por onde, diariamente, circulam 5 mil caminhões. Das 80 turmas volantes previstas para fiscalização no Estado hoje há apenas 30 turmas operando. “Fica quase impossível fazermos um flagrante em um Estado como o nosso que possui 496 municípios com apenas 30 equipes volantes”.

Para o delegado Ranolfo Vieira Júnior, do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic), o problema é que o sistema penal brasileiro é muito liberal. “A pena para roubo é de 4 a 10 anos. “Se considerarmos a média de seis anos, e que cumprindo um sexto em regime fechado o preso já tem direito a progressão para o regime semi-aberto, que apresenta facilidades para fuga, a punição torna-se muito branda”, destaca Vieira.

O delegado cita outro caso que aconteceu no início do ano. “Prendemos uma quadrilha de 15 elementos responsáveis pelo roubo de mais de 97 caminhões. O juiz de Canoas entendeu que não era caso para segregação provisória, e mandou soltar os elementos”, conta Vieira. “A decisão foi modificada pelo Tribunal de Justiça posteriormente, mas os ladrões já haviam sumido.

Países do Mercosul sugerem ações conjuntas

O roubo de cargas no transporte internacional também já é uma prática freqüente. Mas o pior é que nos últimos cinco anos os delitos não se restringem apenas ao roubo das mercadorias. Os assaltantes também estão levando os caminhões, afirma o gerente executivo da ABTI, Guilherme Boger. Fato preocupante, pois diariamente, cerca de 800 caminhões passam pelo Porto Seco de Uruguaiana em direção à Argentina. Número que é ainda maior se forem computados os veículos que atravessam a fronteira sem passar pelo porto. “Até veículos com escolta são roubados”, afirma Boger. Entre as cargas mais visadas estão os tecidos, calçados, cigarros e produtos farmacêuticos, pela facilidade de comercialização.

O elevado índice de roubos na Argentina levou as autoridades locais a intensificar o trabalho de fiscalização nas chamadas zonas vermelhas - estradas situadas na proximidade de Buenos Aires. As autoridades argentinas dizem que os grupos de roubos de carga estão organizados como uma empresa criminal, com área de trabalho bem definidas: a área de inteligência prepara o delito; a de operações está incumbida de colocar em prática o roubo, e a área comercial se encarrega de inserir a mercadoria no circuito do comércio.

O diretor da ABTI e do Setcergs, Francisco Cardoso, diz que “a quantidade de roubo de cargas internacionais é muito maior do que se imagina. Mas a maioria das empresas prefere não mencionar o fato para não ter sua imagem afetada”. Com o objetivo de buscar avanços na segurança, os países do Mercosul criaram um Grupo de Trabalho Especializado, o GTE Delitual.

No dia 22 de setembro as entidades de transporte do Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai, escreveram a Carta do Transporte Internacional, encaminhada às autoridades dos seus países. No Brasil, a intenção é entregar o documento ao Ministro da Justiça, Tarso Genro. A carta propõe o trabalho conjunto entre os órgãos de segurança do Mercosul. A proposta sugere a criação de uma rede de cooperação e informação entre órgãos de segurança pública no Mercosul, facilitando o processo investigativo; de um centro de atendimento especializado nos países para tratar de denúncias; centralização de banco de dados, veículos e motoristas; o tratamento do roubo de cargas como delito federal; a padronização dos procedimentos, respeitando as normas de cada país e acabar com a assimetria das informações

(Fonte: Jornal do Comércio - Caderno Logística)

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