O
assalto a mais uma empresa transportadora no domingo da semana passada
só veio confirmar que o roubo de cargas é um problema cada vez mais
corriqueiro e habitual no País e no Estado. Praticados por quadrilhas
meticulosamente organizadas, além dos prejuízos financeiros
incalculáveis e muita incomodação, os delitos também acabam causando
situações ainda mais cruéis, como a disseminação do medo e do
sentimento de desconfiança.
A invasão à empresa, localizada
em Cachoeirinha, aconteceu por volta das 23h30min do domingo, dia 8,
por um grupo de pelo menos 16 assaltantes encapuzados e armados. Depois
de render os funcionários e motoristas terceirizados e trancafiá-los em
uma sala, o bando foi embora levando três caminhões carregados
principalmente de televisores de plasma e pneus.
Na noite do
dia seguinte, a polícia encontrou os três caminhões e parte da carga
roubada em um depósito em Gravataí. Uma mulher, que estava no local,
foi presa sob a acusação de receptação de mercadorias. O grupo que
praticou este roubo é suspeito de ataque a pelo menos outros seis
estabelecimentos - quatro empresas e dois bancos.
O local
escolhido como alvo pela quadrilha também comprova que a ação dos
“piratas do asfalto” não se restringe apenas às estradas. Eles também
estão tomando conta das ruas das cidades. O presidente do Sindicato das
Empresas de Transporte de Cargas e Logística no Estado do Rio Grande do
Sul (Setcergs), José Carlos Silvano, explica que como as
transportadoras passaram a instalar equipamentos de segurança nos
caminhões que circulam nas estradas, os assaltantes passaram a atacar
caminhões de coleta e entrega e terminais de cargas nas cidades e em
regiões conurbadas. “As quadrilhas migram de nicho criminal e se
reorganizam muito rapidamente. E, os alvos não são aleatórios, são bem
estudados”, destaca Silvano.
Na maioria dos casos de roubos de
cargas, os ladrões recebem informações de funcionários ou de
terceirizados que trabalham na própria transportadora ou no embarcador,
afirma o delegado Guilherme Wondracek, da Delegacia de Polícia de
Repressão ao Roubo e Furto de Cargas. “São eles que repassam as
informações sobre a mercadoria que será transportada, as rotas que
serão usadas e os horários”, revela. Mas lembra que só há roubos porque
existem receptadores. “Já recuperamos cargas roubadas em
estabelecimentos comerciais bastante conhecidos”, revela.
Apenas 40% dos crimes são nas estradas, 39% com veículos rodando
No
Brasil, 70% do montante dos roubos de cargas estão concentrados no
estado de São Paulo. Deste total, 60% acontecem no perímetro urbano e
os outros 40% nas estradas.
No Rio Grande do Sul, os registros
indicam que Porto Alegre e Região Metropolitana, Vale dos Sinos e Vale
do Paranhana são os locais mais visados em função da grande quantidade
de indústrias e terminais de cargas.
As rodovias mais
vulneráveis são a BR-116, a BR-386, a BR-392 e a BR-285. De acordo com
Ernesto Lorenzoni, diretor da GPS Pancary - empresa corretora de
seguros e gerenciadora de riscos - 61% dos roubos acontecem com os
veículos parados e 39% quando estão rodando.
As cargas campeãs
de roubos são polietileno, medicamentos, calçados, pneus,
eletroeletrônicos, equipamentos de informática, autopeças e alimentos.
Os
horários com maior concentração de roubos nas cidades são das 9h às 12h
e das 13h às 18h. De acordo com o capitão Alexandre Pinheiro, do
Batalhão Rodoviário da Brigada Militar, de 2006 a 2009 foram
registradas as ocorrências de 64 roubos de cargas nas estradas
estaduais e os alvos preferidos foram cargas de medicamentos e
cigarros. “O sistema de GPS, usado pelas transportadoras não está
dando segurança, porque já existem bloqueadores de sinal que são usados
pelos marginais, feitos em casa ou comprados facilmente pela internet”,
alerta Pinheiro.
A Polícia Rodoviária Federal (PRF), nos
primeiros dez meses do ano, tem em seus registros três assaltos a
veículos de carga e um saque ocorridos no Rio Grande do Sul. E o número
de detidos chega a 21 assaltantes de carga. Em nível nacional, foram
computados pela PRF 332 assaltos a veículos de carga e 5.722 saques,
além da detenção de 175 assaltantes.
O chefe da sessão de
policiamento e fiscalização da Polícia Rodoviária Federal, Assis
Fernando da Silva, explica que os comparativos estatísticos ficam
prejudicados. Pois, normalmente as transportadoras se preocupam em
fazer o registro do roubo na polícia civil e se esquecem de comunicar à
PRF.
Para Silva, o mais importante é que as empresas evitem
divulgar informações sobre roteiros e itinerários dentro de suas
dependências. “Pois as ocorrências comprovam que, em muitos casos, as
informações são repassadas aos ladrões por pessoas das próprias
empresas”, salienta o policial.
Setcergs e assembleia formam comissões para buscar soluções
Para
encontrar uma solução para a onda de crimes ao patrimônio, a sociedade,
através dos seus órgãos representativos, também está se mobilizando. É
o caso de iniciativas como a do Setcergs e da Assembleia Legislativa,
que criaram comissões para tratar do assunto. No Setcergs, a Comissão
Permanente de Seguros, Segurança e Roubo de Cargas tem como objetivo
principal formar um banco de dados que possa auxiliar a polícia no
combate ao crime organizado.
Este trabalho será viabilizado,
explica o coordenador da comissão,o diretor do Setcergs, Jaime Kras
Borges com um trabalho conjunto com a Polícia Rodoviária Federal, a
Polícia Civil, a Brigada Militar e a Secretaria da Fazenda, através da
unificação das informações.
Borges afirma que a comissão já
tem agendada uma reunião com integrantes do Pró-Carga, que vão falar
sobre as ações deste programa de combate ao roubo de cargas criado pela
Secretaria de Justiça e Segurança do estado de São Paulo. A comissão
também defende a regulamentação da Lei Complementar 121/06 que prevê
uma punição mais dura aos receptadores de carga. “O grande problema são
os receptadores, pois se os ladrões não tivessem para quem vender a
carga não haveria roubo. Por isso pleiteamos uma ação mais engajada da
Secretaria da Fazenda, atuando na fiscalização das notas fiscais”,
afirma Borges.
A Assembleia Legislativa também está empenhada na
luta contra o roubo de cargas. Para debater este e outros temas que
envolvem o transporte rodoviário de cargas, foi criada a Subcomissão
dos Caminhoneiros, presidida pelo deputado estadual Francisco Appio
(PP). Na primeira reunião realizada na semana passada, o tema em
debate foi roubo de cargas e o desaparecimento de motoristas.
Appio
explicou que a Subcomissão tem o objetivo de estabelecer uma ligação
transversal entre o governo, através de seus órgãos de segurança e
fiscalização, o legislativo e as entidades que representam os
transportadores e trabalhadores do setor.
Proteção chega a representar 12% do valor do frete
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Com
medo de se tornarem alvos fáceis, as empresas de transporte são
obrigadas a investir pesado para reduzir os riscos. “Os gastos com
segurança representam de 3% a 12% do valor do frete. Neste cálculo
entram os custos da transportadora com vigilância patrimonial e pessoal
e - que inclui circuito de televisão e seguranças -, compra de
equipamentos de monitoramento, contratação de seguro e de uma
gerenciadora de riscos”, revela o presidente do Setcergs, José Carlos
Silvano. A parcela que é destinada para a segurança funciona quase como
um pedágio disfarçado. Um custo morto, que no final das contas, será
pago pelo consumidor final.
Para o diretor da Kieling
Logística, Alberto Kieling, um bom gerenciamento logístico ajuda a
minimizar a ação dos ladrões, mas com um custo bastante alto. Que pode
ser ainda pior se a empresa for roubada. No caso de mercadorias com
valor elevado, destaca o diretor da ABTI, Francisco Cardoso, é montado
um “verdadeiro esquema de guerra”, com caminhões andando em comboio e
com escoltas armadas. Mas, mesmo correndo riscos, da frota de quase
dois milhões de caminhões registrados na Agência Nacional de
Transportes Terrestres (ANTT), apenas cerca de 300 mil caminhões
utilizam equipamentos de monitoramento e de rastreamento.
O
diretor da GPS Pamcary - corretora de seguros e gerenciadora de riscos
-, Ernesto Lorenzoni, acredita que a principal ferramenta contra o
roubo de cargas é a seleção do pessoal contratado. Por isso, entre os
seus produtos, a Pamcary oferece o Telerisco, ferramenta que permite
aos transportadores obter informações sobre os caminhoneiros antes de
contratá-los.
Lorenzoni explica que a seleção é feita a partir
das informações de um banco de dados formado ao longo de 20 anos. “Mas,
o mais importante é que as empresas escolham uma empresa séria para
fazer uma boa análise de riscos e indicar o pacote de soluções com base
nas necessidades reais do perfil da carga que é movimentada”, destaca
ele.
Afocefe critica falta de fiscais nas estradas
Para
os empresários não há dúvidas de que os receptadores são os verdadeiros
vilões da pirataria, seja ela praticada no asfalto ou nas cidades. Mas
para inibir a ação dos receptadores são necessárias mudanças
nafiscalização e na legislação. Para o presidente do Sindicato dos
Técnicos do Tesouro do Estado (Afocefe), Elton Nietiedt, é preciso
garantir uma fiscalização mais ofensiva nas notas fiscais das
mercadorias em circulação. “A Secretaria da Fazenda teria condições de
descobrir os receptadores exigindo notas das mercadorias no ato da
fiscalização, mas só fiscalizamos o que é legal. As empresas ilegais
não são fiscalizadas”, afirma Nietiedt.
Ele reclama ainda do
fechamento de postos de fiscalização e de outros que têm apenas10
fiscais para atuar num trecho por onde, diariamente, circulam 5 mil
caminhões. Das 80 turmas volantes previstas para fiscalização no Estado
hoje há apenas 30 turmas operando. “Fica quase impossível fazermos um
flagrante em um Estado como o nosso que possui 496 municípios com
apenas 30 equipes volantes”.
Para o delegado Ranolfo Vieira
Júnior, do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic), o
problema é que o sistema penal brasileiro é muito liberal. “A pena para
roubo é de 4 a 10 anos. “Se considerarmos a média de seis anos, e que
cumprindo um sexto em regime fechado o preso já tem direito a
progressão para o regime semi-aberto, que apresenta facilidades para
fuga, a punição torna-se muito branda”, destaca Vieira.
O
delegado cita outro caso que aconteceu no início do ano. “Prendemos uma
quadrilha de 15 elementos responsáveis pelo roubo de mais de 97
caminhões. O juiz de Canoas entendeu que não era caso para segregação
provisória, e mandou soltar os elementos”, conta Vieira. “A decisão foi
modificada pelo Tribunal de Justiça posteriormente, mas os ladrões já
haviam sumido.
Países do Mercosul sugerem ações conjuntas
O
roubo de cargas no transporte internacional também já é uma prática
freqüente. Mas o pior é que nos últimos cinco anos os delitos não se
restringem apenas ao roubo das mercadorias. Os assaltantes também estão
levando os caminhões, afirma o gerente executivo da ABTI, Guilherme
Boger. Fato preocupante, pois diariamente, cerca de 800 caminhões
passam pelo Porto Seco de Uruguaiana em direção à Argentina. Número que
é ainda maior se forem computados os veículos que atravessam a
fronteira sem passar pelo porto. “Até veículos com escolta são
roubados”, afirma Boger. Entre as cargas mais visadas estão os tecidos,
calçados, cigarros e produtos farmacêuticos, pela facilidade de
comercialização.
O elevado índice de roubos na Argentina levou
as autoridades locais a intensificar o trabalho de fiscalização nas
chamadas zonas vermelhas - estradas situadas na proximidade de Buenos
Aires. As autoridades argentinas dizem que os grupos de roubos de carga
estão organizados como uma empresa criminal, com área de trabalho bem
definidas: a área de inteligência prepara o delito; a de operações está
incumbida de colocar em prática o roubo, e a área comercial se
encarrega de inserir a mercadoria no circuito do comércio.
O
diretor da ABTI e do Setcergs, Francisco Cardoso, diz que “a quantidade
de roubo de cargas internacionais é muito maior do que se imagina. Mas
a maioria das empresas prefere não mencionar o fato para não ter sua
imagem afetada”. Com o objetivo de buscar avanços na segurança, os
países do Mercosul criaram um Grupo de Trabalho Especializado, o GTE
Delitual.
No dia 22 de setembro as entidades de transporte do
Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai, escreveram a Carta do Transporte
Internacional, encaminhada às autoridades dos seus países. No Brasil, a
intenção é entregar o documento ao Ministro da Justiça, Tarso Genro. A
carta propõe o trabalho conjunto entre os órgãos de segurança do
Mercosul. A proposta sugere a criação de uma rede de cooperação e
informação entre órgãos de segurança pública no Mercosul, facilitando o
processo investigativo; de um centro de atendimento especializado nos
países para tratar de denúncias; centralização de banco de dados,
veículos e motoristas; o tratamento do roubo de cargas como delito
federal; a padronização dos procedimentos, respeitando as normas de
cada país e acabar com a assimetria das informações