O Estado brasileiro tem se mostrado historicamente irresponsável de várias formas.
Ora nega os fatos, como fez em relação à tortura na ditadura militar.
Ora os reconhece, mas é negligente quanto ao cumprimento dos seus deveres.
Age
assim expressiva parte dos entes federados ao não pagarem os
precatórios, ou quando, reiteradamente condenados pelo Poder
Judiciário, seus governantes se negam a implementar ações de saneamento
dos erros administrativos, o que gera um passivo financeiro cumulativo
extraordinário, custos processuais desnecessários e a continuidade de
uma gestão ineficiente.
Exemplo disso aconteceu no
reconhecimento do dever de pagar pensão integral no Rio Grande do Sul
em relação ao qual se alegou a ausência de fonte de custeio para
suportá-lo e, mesmo sendo continuamente condenado, nunca atuou para
criar a fonte de custeio que alegava faltar.
Hoje esse mesmo Estado-membro verbera déficit
previdenciário.
Não satisfeito com tais práticas, pretende agora
efetivar o requinte da irresponsabilidade.
Busca
se tornar irresponsável por intermédio de uma emenda à Constituição, o
que acontecerá acaso se aprove a PEC nº 351/2009, que tramita
atualmente na Câmara Federal.
Pela referida proposta, o Estado
não mais negará os fatos nem divergirá do direito aplicável, nem mesmo
negligenciará no cumprimento dos seus deveres: irá suprimi-los.
O
administrador público, a partir da aprovação, nas mais variadas formas
de atuação do Estado, seja legítima, como nas desapropriações; ou as
ilegítimas, como na aplicação de políticas públicas em desvio de
finalidade e que causem dano ao patrimônio privado, estará previamente
autorizado a calcular o pagamento da indenização não no valor do
patrimônio desapropriado ou do dano causado, apurado no devido processo
legal, mas sim no valor que o percentual de deságio que o sistema de
leilão criado irá determinar, leilão que se poderia batizar de leilão
dos desesperados, pois exigirá do credor o máximo de deságio para
concorrer ao pagamento.
Quem não quiser o deságio, observados
tais critérios e a forma de disponibilização de recursos que a proposta
também institui, tudo indica, nunca receberá o valor que lhe é devido.
A PEC realmente inova em termos de irresponsabilidade do Estado.
Em
Maquiavel, poderia se dizer que a hipocrisia cedeu ao cinismo; naquela
pelo menos procura-se preservar as necessárias aparências, nesta nem
isso.
*Juiz de Direito Pela proposta, o Estado não mais negará os fatos nem divergirá do direito aplicável: irá suprimi-los