A
secretária-geral de Governo, Ana Pellini, que assumiu a pasta no início
de setembro no lugar de Erik Camarano, traz na sua trajetória
profissional ampla experiência na área de gestão. Servidora concursada
do Estado, ela defende a eficiência na administração pública e garante
que a capacidade de gerir com competência não é exclusividade da
iniciativa privada. “A gestão pública pode achar o caminho e fazer com
que as coisas atinjam da melhor maneira a população”, afirma. Ana
Pellini pretende se valer da experiência acumulada no setor para
diminuir os entraves burocráticos e agilizar os programas
estruturantes, um dos carros-chefe do governo Yeda Crusius (PSDB). O
andamento dos programas sofreu alguns atrasos ao longo de 2009 em
função de questões burocráticas já solucionadas. Por isso, a
expectativa da secretária é de que até março de 2010 seja possível
recuperar o tempo perdido neste ano. Ana Pellini destaca ainda que o
orçamento estadual para 2010, em tramitação na Assembleia Legislativa,
é uma peça realista, produto do empenho do governo em zerar o déficit.
“Uma grande conquista foi o orçamento realista. Sou do tempo em que o
orçamento era uma peça formal de ficção”, lembra.
Perfil
Natural de Caxias do Sul, Ana Maria Pellini veio para a Capital em
1973, para estudar. É contadora formada pela Ufrgs, com mestrado em
Administração. Funcionária de carreira, ingressou na Secretaria
Estadual da Fazenda com 18 anos e alcançou o cargo de auditora fiscal
do Tesouro.
Sem vinculação partidária, teve trânsito fácil em diferentes
governos, ocupando cargos estratégicos. No governo Antônio Britto
(1995-1998), trabalhou junto ao gabinete do secretário da Fazenda,
Cézar Busatto. A experiência ofereceu visão sobre o funcionamento da
estrutura do Estado. Também assessorou Busatto, por dois anos, quando
ele exerceu mandato na Assembleia Legislativa.
Outra atuação importante foi no cargo de diretora-geral do Tribunal
de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS). Ana Pellini considera marcante
o trabalho realizado como diretora-geral da Secretaria da Segurança
Pública, durante o governo Germano Rigotto (2003-2006), do qual destaca
a necessidade de o gestor ter agilidade para enfrentar os problemas.
Desde maio de 2007, estava à frente da Fundação Estadual de Proteção
Ambiental (Fepam) e, no início deste mês, a convite da governadora Yeda
Crusius, assumiu como secretária-geral de Governo.
Jornal do Comércio - À frente da Secretaria-Geral de Governo, quais são os seus desafios?
Ana Pellini - Vou procurar destravar algumas
coisas. A burocracia no setor público é uma coisa desesperadora. E não
estou falando só do nosso Estado. É uma luta do setor público em todas
as esferas de governo e em todos os órgãos. E é isso que vou ter de
procurar administrar de forma que a gente consiga vencer essa
burocracia sem descumprir nenhum aspecto de legalidade.
JC - A gestão pública, tão criticada em relação à iniciativa privada, pode apresentar soluções eficientes?
Ana Pellini - Sim. Temos essas ferramentas, essa
visão. No setor privado, eles são obrigados de uma maneira muito
intensa a buscar essas soluções, porque eles dependem disso, sob pena
de desaparecerem. O setor público fica mais acomodado porque não tem
essa pressão. Mas há muitos bons gestores no setor público que acham a
solução, sim. Tenho me empenhado a vida toda e acredito, sim, que a
gestão pública pode achar o caminho e pode fazer com que as coisas
atinjam da melhor maneira a população, que é o objetivo. O serviço
público não existe para si próprio. Ele existe porque tem um cidadão
que precisa da gente.
JC - O governo tem se caracterizado por mudanças no
secretariado. A própria governadora chamou de ‘dança das cadeiras’ em
determinada ocasião. Isso prejudica a governabilidade?
Ana Pellini - Não. Considero muito o princípio da
impessoalidade. As coisas têm que ser formatadas de modo que elas
funcionem independente de A, B ou C. Elas têm que funcionar porque
estão organizadas para funcionar desse jeito. E a governadora chegou
com muita força porque ela tinha um projeto bem estruturado. E ela
sabia como fazer, porque é do ramo, é economista. Sabia que queria o
déficit zero e sabia como chegar até ele. Ela trouxe a sistemática das
câmaras setoriais, por exemplo, em que os secretários cuidam de vários
assuntos. E, portanto, temos que ser solidários uns com os outros.
Temos que dividir as informações. Cheguei na Secretaria-geral de
Governo e encontrei uma estrutura que funciona assim. Erik (Camarano)
já deixou dessa maneira. Se a Ana sair, vem outro. Mas há uma estrutura
que funciona, um método. Isso é uma riqueza que o Estado não pode
perder.
JC - O orçamento estadual para 2010 já está na
Assembleia, estimado em R$ 27,7bilhões. Houve redução na meta de
investimentos. A expectativa era chegar aos 10%, mas, diante da crise
econômica mundial, acabou fixada em 8%. Haverá impacto nos programas
estruturantes?
Ana Pellini - Uma grande conquista obtida foi o
orçamento realista. Sou do tempo em que o orçamento era uma peça formal
de ficção. Ia para a Assembleia Legislativa, lá os deputados discutiam.
Já ia deficitário para lá. Chamávamos de receitas extraordinárias, não
especificadas de onde vinham. Na execução é que se dava o verdadeiro
orçamento, aquilo era só para constar. A governadora é do ramo, isso
ajudou muito a compreensão dela de que é preciso equilibrar as contas e
ter um orçamento de verdade. Aquilo é uma bíblia e tem que ser
cumprido. Então, tem que ser realista. Se são 8% que cabem no nosso
recurso, serão 8% que vamos fazer. Aquilo tudo que está lá tem que
expressar o que vai acontecer no ano seguinte. Estamos trabalhando com
esse viés. A crise realmente veio, veio para todo mundo. O Brasil
sentiu menos, porque estava preparado, e o Rio Grande do Sul, dentro do
Brasil, menos ainda, porque o ICMS sofreu queda, mas não tanto como em
outros estados. O que mais está nos prejudicando são as transferências
da União, que diminuíram muito em razão, inclusive, de estímulos
fiscais que o governo federal deu para aquecer a economia. Reduziu a
receita, então vamos nos adequar. O patrimônio de ter contas
equilibradas e um orçamento realista não se pode abrir mão nunca. Para
o governo é algo sagrado. Todo mundo tem que lutar por isso, porque aí
a gente olha a peça orçamentária e vê exatamente o que vai acontecer no
próximo ano. Se tiver que dar uma reduzida em algum projeto
estruturante, se reduz um pouco o ritmo e se faz a adequação aos
recursos que temos.
JC - O período de retração da economia coincidiu
com alguns entraves burocráticos que atrasaram os programas
estruturantes. A expectativa é de recuperação?
Ana Pellini - Estamos nos organizando. O nosso
planejamento não está sendo feito até o fim do ano, mas até março de
2010. O Estado passou muita dificuldade financeira nos últimos anos e
acabou se desestruturando. Então as carências de pessoas nas áreas
estratégicas eram muito grandes. A Secretaria de Obras tinha menos
engenheiros que o Tribunal de Contas do Estado. O órgão que fiscaliza o
nosso trabalho tem mais engenheiros para fiscalizar do que nós para
fazê-lo. Então, fazer concurso ou contratar emergencialmente
profissionais demora um tempo. Nossa expectativa é de que, até março,
se consiga recuperar o tempo perdido neste ano. Estamos nos esforçando.
Muitas daquelas dificuldades estão em vias de superação total.
JC - Tem sido recorrente o não cumprimento pelos
governos dos mínimos constitucionais para as áreas da Saúde e Educação.
É possível modificar essa dinâmica?
Ana Pellini - Isso de dividir o orçamento por
percentuais é algo ultrapassado. Teve a sua função, mas agora é
totalmente ultrapassado. O que temos que ver é que estamos aplicando em
saúde como nunca no Estado. A segunda pergunta que deve ser feita em
tempos modernos é se estamos aplicando bem. Temos no Estado a maior
expectativa de vida do País. Estamos entre as menores mortalidades
infantis do mundo. Temos outros indicadores de saúde, muito
importantes, que estamos atingindo. Isso é que é importante. Há regiões
que precisam mais. Há regiões que têm mais condições e precisam menos.
E sobre isso não se tinha informação para avaliar. Este ano conseguimos
obter esses dados. Não quer dizer que já se tenha atingido a
distribuição de recursos regionais ideal. Mas, pelo menos, enxergamos e
podemos planejar e discutir o futuro como se deseja fazer. Inclusive,
considerando a idade da população e uma série de elementos de que até
então não se dispunha, porque não tínhamos todas as informações para
fazer esse planejamento. Isso é um ganho para o Estado muito mais
importante do que um percentual. O que um percentual diz? Posso gastar
mal. Aí, também não atingiu o objetivo público, que é o essencial, de
melhorar a saúde da população.
JC - Os debates na CPI da Corrupção, instalada na Assembleia Legislativa, têm prejudicado o funcionamento do governo?
Ana Pellini - Sou técnica. Não me envolvo muito
nessas questões. Mas, como cidadã, acho que prejudica muito o Estado.
Essa campanha que estão fazendo, sempre com as mesmas acusações, acaba
prejudicando a imagem dos gaúchos. Isso prejudica o andamento, de certa
forma, do governo. A gente se esforça muito para que o mínimo prejuízo
ocorra. É muito ruim o que estão fazendo, tanto a CPI, como o processo
de impeachment (que tramita no Legislativo contra a governadora Yeda
Crusius), que é jogo de cena, já antecipando o processo eleitoral. Isso
é uma irresponsabilidade das pessoas que só pensam no seu umbigo, na
sua candidatura e não veem que o Estado precisa de uma imagem sólida. O
Rio Grande do Sul sempre contou com uma imagem de respeitabilidade.
Temos orgulho disso.
JC - A governadora tem afirmado que, no ano que
vem, vai fazer o debate sobre o projeto de governo com os gaúchos. Isso
significa que pretende se candidatar à reeleição?
Ana Pellini - Independentemente disso, ela é uma
mulher de planejamento. Então, essa discussão só pode vir em benefício
do Estado. Um projeto com essas características se torna um projeto do
Estado. Seria natural a governadora apresentar uma candidatura para se
reeleger.
JC - O governo é criticado por estar falhando na
articulção política. A ida de Otomar Vivian (PP) para a Casa Civil
qualifica esse processo?
Ana Pellini - No começo tudo era muito difícil. A
meta do déficit zero foi difícil de ser atendida. A governadora teve
que usar a força dela para que o déficit zero realmente acontecesse.
Ela fazia reuniões exaustivas com seus secretários e acompanhava cada
tostão que entrava e saia. Houve um grande esforço pessoal dela nessa
conquista. Então, talvez, ela não tenha tido tempo para se dedicar a
essa relação política como precisaria. Agora que as coisas estão mais
tranquilas, o governo funcionando e o projeto bem consolidado, é
possível que ela possa ter mais tempo para isso. O secretário Otomar
Vivian, agora na Casa Civil, tem muita habilidade para isso também,
assim como (José Alberto) Wenzel teve seu papel, passou por crises
duríssimas. Se espera que agora o governo consiga ter energia e
condições de dialogar de uma maneira mais tranquila com a sociedade,
uma vez que internamente as coisas estão bem mais consolidadas.
JC - Antes de entrar para a Fepam, a senhora tinha algum vínculo com a área ambiental?
Ana Pellini - Não tinha nenhum vínculo com a área
ambiental. Naquele tempo, a Fepam estava passando por uma crise
institucional muito forte em decorrência da discussão da atividade da
silvicultura no Estado. Foi uma comoção. A Assembleia tinha uma frente
parlamentar a favor da silvicultura. O Ministério Público Estadual
(MPE) era contra, tinha um grupo de promotores contra. O Judiciário
tinha várias ações também que tramitavam lá. E as empresas queriam
fazer investimentos grandes. Afora isso, a Fepam estava com um acúmulo
de processos muito grande. Havia mais de 12 mil pedidos de
licenciamento sem andamento na época. Era um desafio grande porque não
adiantava só bem operar. Eles tinham que ter conteúdo porque o pior é
dar uma licença ambiental a um empresário e depois a Justiça caçar,
quando ele já começou o investimento. É horrível.
JC - A questão do meio ambiente está sendo bem conduzida?
Ana Pellini - O enfoque que está sendo dado é o
ambiental. Procuramos eliminar a burocracia. Havia muitos casos em que
um documento era protocolado e demorava meses para chegar no processo,
porque não havia um trâmite, colocavam em uma caixa e ficava parado por
um ano. Então o que retardava não era o cuidado com o meio ambiente,
era a burocracia, a ineficiência no tratamento processual.
JC - Na campanha presidencial de 2010, a agenda
verde vai entrar na pauta, muito por conta da candidatura da
ex-ministra Marina Silva, agora no PV.
Ana Pellini - O tema ambiental é a questão do
momento e do futuro. Não temos como desconhecer que o planeta está
mudando e vamos ter que mudar nossa conduta. Não quero dar um discurso
de ambientalista, mas não temos, por exemplo, preocupação com lixo e
resíduos. Cada um vai ter que mudar o seu perfil. Em todo o mundo há
essa preocupação. Que bom que Marina Silva vai concorrer e debater
isso. Mas essa pauta virá independentemente disso.
JC - Como está a tramitação do processo a que a senhora responde, envolvendo a questão da silvicultura?
Ana Pellini - No começo, estava tudo muito
tumultuado, mas se pacificou a questão da silvicultura. Os técnicos da
Fepam estavam muito inseguros, porque quando não há uma diretriz clara
e uma segurança jurídica, só se atemoriza. E essa segurança veio com o
secretário (Carlos) Otaviano (Brenner de Moraes). Ele chamava os
técnicos, explicava, e isso começou a criar uma confiança. A mesma
coisa não foi feita com as ONGs. Tanto que o estranho disso tudo é que
esse processo de assédio moral aos funcionários da Fepam não é movido
por um funcionário assediado. É movido por uma ONG que diz que eu
assediei os funcionários da Fepam. Não veio de dentro, veio das ONGs.
JC - O processo foi motivado pela exigência de prazo para a liberação das licenças?
Ana Pellini - Quando a força tarefa foi
estabelecida, as pessoas tinham quota e tempo para fazer as coisas.
Ainda não me ensinaram um jeito de dar conta de 12 mil processos a não
ser dizendo que há uma carga de processos e perguntando quanto tempo é
necessário para resolver. Hoje tenho orgulho de dizer que cumprimos os
prazos legais: seis meses para dar resposta a um empreendedor de um
licenciamento ordinário e um ano para os complexos, com estudo de
impacto ambiental. Algo que me deixa tranquila é que na minha despedida
da Fepam não houve nenhum movimento. Ninguém esteve lá para me dizer
“graças a Deus”. Entre os funcionários, isso passou. Só que o processo
anda. O juiz negou a liminar para me retirar do cargo, na época. Não
sei o que vai dar. Tenho a esperança de que isso se resolva
naturalmente.