A
realidade nunca dá tudo aquilo quanto a imaginação promete. Isso é o
que acontece, geralmente, com os orçamentos públicos. Nas empresas
particulares e nas contas pessoais a rigidez, a realidade, os credores
e o registro dos inadimplentes dão pouca margem para malabarismos ou
acúmulo de dívidas. Na prefeitura, José Fogaça foi obrigado a parcelar
o reajuste do funcionalismo acertado desde 2008. Mas continua pagando
sempre no último dia útil do mês, como acontece há muitos anos na
Capital. No Estado, há quem torça o nariz para o refrão do déficit zero
no que julgam ser uma catilinária da governadora Yeda Crusius. Mas
equilibrar para sempre receitas com despesas é uma doce sinfonia nos
ouvidos do empresariado. É um hino mavioso para os cidadãos que
esperam, como os prefeitos, por obras de ligação pavimentada dos seus
municípios com as rodovias e por ginásios em escolas. Isso não basta, é
fácil chegar ao déficit zero quando não se aplica o que a lei manda em
saúde e educação, bradam outros. Com certeza, com certeza. Mas, quem
fez isso nos últimos governos? Como acabar com o déficit sem cortar
fortemente no custeio? Não, não, definitivamente os orçamentos da
Capital e do Estado não são peças de ficção. Não se pode esquecer a
turbulência financeira que secou as fontes de dinheiro mundo afora,
desde 15 de setembro de 2008, quando o banco Lehman Brothers quebrou,
deixando um passivo de bilhões de dólares.
As fontes de empréstimo paralisaram e os negócios estagnaram em
vários segmentos da economia internacional. A consequência direta no
Brasil foi menos arrecadação de impostos, menos transferências da União
para os estados e desses para os municípios. Essa a causa para queda de
R$ 500 milhões no orçamento estadual e o provável empréstimo interno
para pagar o 13º. Some-se a isso a natural tendência à burocracia que
temos. Fazer uma obra pública depende de tantas normas e pré-requisitos
que elas são demoradas, geralmente esbarram em demandas judiciais,
dependem de desapropriações, são pagas aos poucos, passam por
fiscalizações e devem ser carimbadas em tantas secretarias e órgãos
oficiais que praticamente nenhuma é concluída no prazo previsto. Isso
vale para o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), para os
presídios projetados no Rio Grande do Sul e para a recuperação e
ampliação dos postos de saúde de Porto Alegre. Temos um dualismo
freudiano no Rio Grande, onde as pessoas são essencialmente boas ou
más, com vida e morte, amor e luta, dia e noite, preto e branco. Aqui,
as pessoas são bondosas, mas também têm uma imensa capacidade de
destruição. O dualismo é o ponto de partida dos gaúchos em geral, mas
não é a solução dos nossos problemas financeiros, políticos e éticos.
Se a governadora e o prefeito da Capital pudessem chegar a certo grau
absoluto de ciência e sabedoria eles se tornariam impassíveis e
impecáveis. No entanto, tanto no Piratini como no Paço dos Açorianos
não devem se esquecer que existem dois grandes antídotos contra os
males financeiros e que são a vergonha por gastar ou prometer investir
o que não se tem e a prudência como só a idade e o passar dos anos
conferem. Por isso julgamos que, na questão dos orçamentos de Porto
Alegre e do Estado, não devem o prefeito e a governadora proferir
palavras ou ações das quais tanto poderão se envergonhar quanto se
arrepender no futuro. É que o prazer efêmero de fantasias mirabolantes
em termos de obras, vencimentos e realizações certamente não compensará
os desgostos que ambos acabarão por sentir. Além das exprobações
amargas da consciência que os condenará.