O
que está ocorrendo na Receita Federal é reflexo da mentalidade
intervencionista e dirigista do governo. Infelizmente, o aparelhamento
político do Estado vem se agravando na atual administração, com ameaças
frequentes para a autonomia de órgãos públicos e para a própria
democracia. O episódio em que 12 altos funcionários da Receita Federal
– seis superintendentes estaduais, cinco coordenadores e um
subsecretário da instituição – puseram seus cargos à disposição reflete
uma espécie de rebelião contra as ingerências de caráter político numa
área que deveria ser conduzida com critérios exclusivamente técnicos.
Os
servidores públicos da estrutura tributária estão entre os considerados
como integrantes das carreiras de Estado. Têm a mesma importância para
o país que o serviço diplomático ou a Polícia Federal, por exemplo.
Eles trabalham numa das áreas vitais para o próprio funcionamento do
país, gerenciando o sistema de impostos e taxas que a população paga
para manter as instituições e para garantir os serviços essenciais. Por
isso e pela relevância das funções que exercem, tais servidores não
podem ficar sujeitos nem às conveniências dos partidos ou frentes
partidárias que se sucedem no poder, nem aos interesses políticos ou
eleitorais de um ministro ou de um presidente. A apropriação das
instituições e de suas funções relevantes pelos partidos é o retrato da
falta de maturidade da democracia. Há anos, o país assiste, não sem
constrangimento, à distribuição de cargos a pessoas cuja qualificação
para as funções não passa de uma ficha partidária ou do apadrinhamento
de um chefe político. Assim, o Banco do Brasil, a Petrobras e outras
empresas ou agências acabam conduzidas com objetivos partidários ou
eleitorais, numa apropriação indevida de empresas e serviços que são
permanentes. Até a Polícia Federal e agora a Receita, instituições
fundamentais para a estrutura do Estado brasileiro, são alvo da cobiça
dos que julgam que a vitória eleitoral significa licença para usar o
poder para qualquer objetivo, especialmente os que não se confundem com
o interesse público e às vezes a ele se opõem.
Há
um inequívoco alerta na rebelião dos superintendentes e coordenadores
de área da Receita Federal. O Brasil precisa avançar na busca de um
serviço público profissionalizado, de uma burocracia competente e com
autonomia técnica e de uma democracia em que os partidos cheguem ao
poder para servir ao país e não para administrar a coisa pública como
se ela fosse moldável partidariamente. As carreiras de Estado precisam
ser preservadas porque, se não forem tecnicamente qualificadas e
autônomas e se não agirem dentro dos princípios de impessoalidade,
moralidade, eficiência e legalidade (como exige o artigo 37 da
Constituição), não cumprirão seu papel de indispensável esteio do
Estado democrático de direito.