Uma sombra de 1.238 páginas
06/08/2009
A
maldição de agosto, o mês do mau agouro na política brasileira,
abateu-se sobre o Rio Grande do Sul na tarde nublada do quinto dia: uma
ação civil de improbidade administrativa protocolada ontem na 3ª Vara
da Justiça Federal de Santa Maria pelo Ministério Público Federal (MPF)
mergulhou o Estado na mais profunda crise política da sua história
recente. A incerteza ronda o Palácio Piratini e cria uma interrogação
sobre o que serão os próximos 17 meses do governo de Yeda Crusius.
Pela
primeira vez, um governador no exercício do cargo vira réu em uma ação
movida pelo MPF e corre o risco de perder o cargo por decisão judicial.
Yeda Rorato Crusius, a primeira mulher eleita governadora no Rio Grande
do Sul, é uma das nove pessoas citadas na ação de improbidade
administrativa que tentará reaver para os cofres públicos o dinheiro
desviado na fraude do Departamento Estadual de Trânsito (Detran).
Com
Yeda, transformaram-se em réus o ex-marido dela, Carlos Crusius, a
assessora Walna Vilarins Meneses, o ex-secretário Delson Martini, o
vice-presidente do Banrisul e ex-tesoureiro da campanha, Rubens
Bordini, dois deputados estaduais – Frederico Antunes (PP) e Luiz
Fernando Záchia (PMDB) – um deputado federal, José Otávio Germano (PP),
e o presidente do Tribunal de Contas do Estado, João Luiz Vargas.
–
Não haverá moleza para esses réus – avisou na entrevista o procurador
Adriano Raldi, um dos seis membros da força-tarefa que nos últimos
meses cruzou informações para montar o quebra-cabeça da fraude no
Detran.
Juíza de Santa Maria decidirá futuro de Yeda
O
conteúdo do calhamaço de 1.238 páginas, amarrado com uma fita preta e
colocado sobre a mesa durante a entrevista, só é conhecido dos
procuradores e hoje deve chegar às mãos da juíza Simone Barbisan
Fortes, de Santa Maria. Para montar a ação, os procuradores tomaram
depoimentos e analisaram 20 mil escutas telefônicas obtidas não só na
Operação Rodin como em outras três investigações, entre elas a Operação
Solidária.
Trechos de escutas desprezados
na primeira fase da Operação Rodin foram reanalisados e comparados com
outras gravações para ganhar sentido. Os procuradores acreditam ter
chegado à gênese da fraude, identificando novos beneficiários dos
recursos desviados.
Mesmo
esperando desde junho por uma manifestação do MPF, os secretários e a
base aliada de Yeda na Assembleia foram tomados pela perplexidade.
Ninguém esperava que os procuradores fossem tão longe. A primeira
reação pública foi subestimar a ação, argumentando que ninguém sabe
exatamente quais são as acusações, mas nos bastidores o clima é de
apreensão.
Yeda não estava no Palácio Piratini no momento em que
a bomba eclodiu. Na véspera, ao saber que o MPF divulgaria as
conclusões da investigação complementar da fraude no Detran, foi se
refugiar no Palácio das Hortênsias, em Canela. Contrariou o conselho de
assessores, que preferiam vê-la na trincheira do Piratini, se
defendendo de eventuais acusações.
Ficou no Piratini, para falar
pelo governo, o chefe da Casa Civil, José Alberto Wenzel. Com o rosto
vermelho e a o tom de voz acima do habitual, Wenzel insinuou que a ação
de improbidade é um ato político dos procuradores. Reclamou da falta de
detalhes sobre as acusações, para que cada um possa se defender, e
garantiu que Yeda despachou normalmente no Palácio das Hortênsias e
recebeu “com serenidade” a manifestação dos procuradores. O presidente
da CEEE, Sérgio Camps, que falou com Yeda por telefone contou que ela
estava “razoavelmente serena, mas indignada”. A governadora teria se
sentido desrespeitada pela forma como os procuradores apresentaram a
denúncia.
Se
a Justiça aceitar o pedido dos procuradores, Yeda será afastada
temporariamente do cargo e ficará sujeita à perda definitiva do mandato
e dos direitos políticos. Não é só: para os réus, também foi pedida a
decretação da indisponibilidade dos bens, “a perda dos bens ou valores
acrescidos ilicitamente ao patrimônio”, o ressarcimento integral do
dano ao Erário, o pagamento de multa e a proibição de contratar com o
poder público. Seja qual for a decisão da juíza de Santa Maria, cabe
recurso às instâncias superiores da Justiça.
Os
seis procuradores, que recitaram uma espécie de jogral, não
apresentaram provas nem disseram o que existe de comprometedor contra
cada um dos nove réus.
Alegando impedimento legal, por conta do
sigilo que envolve provas obtidas por meio de escutas telefônicas,
recusaram-se a detalhar as acusações. Também se negaram a falar em
delação premiada, acordo pelo qual Lair Ferst teria fornecido
informações que ajudaram a montar o quebra-cabeça da investigação.
Apenas disseram que na fraude do Detran os réus seriam enquadrados em
uma ou mais de três categorias: operadores, intermediários ou
beneficiários do dinheiro desviado. O procurador Fredi Wagner citou
enriquecimento ilícito, dano ao Erário e desrespeito aos princípios da
administração pública como atos de improbidade administrativa.
– Queremos que a impressão
seja de estímulo e não de desânimo,
porque estamos buscando a reparação aos cofres públicos – disse o procurador Ivan Marx na sua vez de falar.
A
oposição não perdeu tempo. Mal terminou a entrevista dos procuradores,
o PSOL protocolou, às 16h55min, um requerimento para que seja apreciado
o pedido de impeachment solicitado pelo partido no ano passado. O
requerimento foi arquivado por decisão do então presidente, Alceu
Moreira (PMDB), mas o PSOL entrou com recurso e aguarda manifestação da
Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Independentemente da posição
da CCJ, o pedido deve ser votado em plenário.
De olho nos
dividendos políticos, o PT preferiu aproveitar o momento para buscar as
assinaturas necessárias à instalação de uma CPI. Em poucos minutos, os
deputados do PDT que resistiam se renderam: Gerson Burmann, Giovani
Cherini e Kalil Sehbe assinaram o requerimento que assegura a CPI. A
oposição tinha, até então, 17 das 19 assinaturas necessárias. Tem 20,
agora.
À primeira vista, a CPI é desnecessária. Se o rito prevê
que a comissão encaminhe suas conclusões ao Ministério Público, não
teria sentido a Assembleia partir da denúncia já feita pelo MPF. O
cálculo dos deputados, porém, é político. Líderes do PT avaliam que uma
CPI permitirá ampliar o leque de investigações para outras pessoas e
fatos, multiplicando o desgaste entre os aliados do governo.
Diante
da possibilidade de afastamento da governadora – pela Justiça ou por um
processo de impeachment –, já começaram as especulações sobre o que
será um eventual governo de Paulo Feijó. O vice optou pelo silêncio,
mas seus companheiros de partido não escondem o entusiasmo com a
perspectiva de assumir o poder. Integrantes do governo acreditam que
Feijó não terá oportunidade de usar o terno da posse. Confiam na
lentidão da Justiça e nos recursos que a governadora pode usar para se
manter no cargo até o julgamento em última instância.
(Fonte: Rosane de Oliveira - Zero Hora)
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