No mesmo dia em que a governadora Yeda Crusius reuniu a equipe para anunciar as metas de 2009, o recém-empossado secretário da Fazenda, Ricardo Englert, recebeu o Jornal do Comércio para detalhar o anúncio da saúde das contas públicas. Sentando na cadeira antes ocupada por Aod Cunha, Englert fala dos R$ 2,1 bilhões de superávit primário e do saldo de R$ 442 milhões no orçamento, em 2008. O novo responsável pelas finanças revela que, a partir de hoje, o Executivo vai divulgar, mensalmente, o saldo do caixa único. E mais, irá apresentar no fechamento dos números de janeiro superávit de R$ 150 milhões. Em tempos de crise, o resultado é um sinal positivo para garantir que 2009 seja um ano de investimentos, atendendo ao desejo da governadora. No orçamento são R$ 1,25 bilhão para a rubrica. Sobre a definição do nome do novo secretário-adjunto, garante que será alguém da Fazenda, mas pede um pouco mais de tempo. "O único prejudicado sem adjunto sou eu. E é um prejuízo relativo, só na rotina", garante.
Jornal do Comércio - Como o senhor encarou o desafio de substituir Aod Cunha? Ricardo Englert - A saída de Aod foi uma perda para o governo. Trabalhei com ele por dois anos e fizemos um trabalho afinado. Me senti preocupado quando ele tomou a decisão de sair. Mas esse receio também estimula. Sou velejador e sei que quando se forma um temporal é preciso estar preparado para enfrentá-lo. JC - O seu primeiro anúncio como secretário foi o de que o ano passado apresentou o melhor desempenho nas finanças. Englert - O ano de 2008 foi, sem dúvida, o melhor da história das finanças públicas do Rio Grande do Sul. Fizemos R$ 2,1 bilhões de superávit primário. Em 2001 eram R$ 300 milhões de déficit. Em 2004, pela primeira vez, houve um pequeno superávit, R$ 36 milhões. Em nosso primeiro ano de governo, 2007, o superávit primário já foi para quase R$ 1,854 milhão. Ou seja, dobramos. E, em 2008, mais do que dobramos. No orçamento , em 2001, o déficit foi de quase R$ 700 milhões. Em 2007, R$ 863 milhões e, em 2008, chegamos ao valor, positivo, de R$ 442 milhões. No ano passado a receita foi maior do que a despesa. Tanto que conseguimos pagar o décimo terceiro do ano anterior financiado. Fizemos uma poupança de mais de R$ 600 milhões para pagar o 13º salário no passado, sem necessidade de recorrer a empréstimo. É claro que esse ano há a crise, mas agora só temos um décimo terceiro para pagar. O que faremos é a cada mês começar de novo o mesmo processo. Este ano, estamos retomando o pagamento de precatórios. O montante de R$ 4 bilhões será pago. JC - Em quanto tempo? Englert - Não sabemos, mas reservamos para o ano que vem em torno de R$ 200 milhões para pagar precatório. Já começamos a pagar os de pequeno valor. Somados representam em torno de R$ 30 milhões e esses recursos já repassamos para os tribunais que estão fazendo os pagamentos. Isso envolve cerca de quatro mil credores, 17% do total. JC - E este mês como será? Englert - Vamos pagar o funcionalismo nos três últimos dias úteis. Outra novidade é sobre o contrato com o Banco Mundial. Quando recebemos o dinheiro, o dólar estava em torno de R$ 1,80. Agora está em R$ 2,30. Houve polêmica sobre se iríamos pagar mais. Junto com a desvalorização do real frente ao dólar aconteceu a redução da taxa de juros. Quando assinamos o contrato a taxa era flutuante, hoje não. Então, mesmo com a desvalorização cambial ainda estamos pagando menos do que achávamos. Fizemos uma economia na ordem de R$ 170 milhões. Desses R$ 443 milhões de superávit, cerca de R$ 170 milhões são decorrentes da economia no pagamento da dívida JC - Há mais novidades no início de sua gestão? Englert - Hoje vamos definir que todos os meses divulgaremos o quanto tomamos do caixa único. Queremos mostrar isso para a sociedade juntamente com o anúncio da folha de pagamento de cada mês. Teremos este número disponível para mostrar se avançamos ou não nos empréstimos. Já existe um senso muito avançado de que na questão do ajuste é importante gastarmos somente aquilo que conseguimos arrecadar. No entanto, isso ainda não é um valor. Assim como ninguém admite a volta da inflação no Brasil, queremos que em dois anos também ninguém mais admita a volta do déficit. A sociedade tem que acompanhar para saber se o governo gasta mais do que arrecada. Isso é bom para o governo, pois ajuda no processo de definir valores e na transparência também. JC - O governo disse que foram investidos R$ 780 milhões a mais em 2008. Em quais áreas? Englert - A oposição tem dito que fizemos o ajuste à custa de cortes na área social. O que digo é que em 2007 tínhamos déficit. Em 2008, em lugar dele há superávit orçamentário de R$ 440 milhões. Mesmo com isso, investimos em 2008 R$ 380 milhões a mais em saúde do que tínhamos gasto em 2007. E R$ 288 milhões a mais na educação em relação a 2007; R$ 88 milhões a mais em segurança pública e, na área social, mais R$ 23 milhões. Isto totaliza R$ 780 milhões. Também aumentamos os gastos com pessoal, porque começamos a pagar os atrasados da lei Britto e concedemos promoções a muitas carreiras que estavam atrasadas. Isso significou que a folha de pagamento cresceu 8%. Como a inflação do ano passado ficou em torno de 4%, 4,5%. A soma da massa salarial foi maior do que a inflação. JC - E a crise global pode afetar as finanças do Estado, atrasando investimentos? Englert - Temos R$1,25 bilhão para investir. Se cair um pouco a receita, vamos nos adequar, mas continuaremos investindo. Temos o orçamento equilibrado para este ano, votado pela Assembleia e sancionado pela governadora Yeda Crusius, prevendo R$ 1,25 bilhão para investimentos. Continuamos dizendo que aquilo que está proposto como gasto é factível, principalmente nas grandes rubricas. O orçamento está bem em pessoal, em custeio e tem os investimentos avaliados. Mas para executá-lo é preciso que possamos realizar a receita que está posta lá. Achamos que temos boa possibilidade, mesmo com a crise, de lançar a receita do ICMS, que está prevista. Há dúvida se vamos conseguir todos os R$ 3,3 bilhões em transferências da União. É uma parcela respeitável. Seguramente a parte mais importante é o ICMS. Se os tributos que fazem parte do bolo dos estados diminuírem na União, isso acabará nos atingindo. JC - Por esta avaliação, podem ser feitos cortes? Englert - Como estamos no início do ano, vamos decidir as quotas de custeio no primeiro momento e, provavelmente, deixar uma reserva, algo entre 5% e 10% do montante global. Não chega a ser um contingenciamento, só distribuímos as quotas, guardando essa reserva, enquanto vamos acompanhando a evolução da receita mês a mês. Se virmos que está seguindo o previsto, podemos ir sinalizando o custeio para os secretários. A mesma coisa no investimento. Como estamos com todas as contas em dia, esse momento de crise deverá repercutir para alguns fornecedores que ainda não trabalham com o Estado. Diante da provável redução da atividade, eles podem se ver obrigados a ter que participar das licitações, o que para o Estado pode representar um ganho no custeio. Como ele é da ordem de R$ 1 bilhão ao ano, se conseguirmos economizar 10%, serão R$ 100 milhões. Fora isso continua o trabalho de redução do gasto público. É um processo que não termina nunca. JC - O senhor tem uma longa trajetória na Fazenda e vem acompanhando vários governos que também tentaram fazer o ajuste fiscal. Por que só agora ele foi possível? Englert - Primeiro, a governadora fez a campanha para se eleger colocando o ajuste fiscal como meta e está cumprindo isto. É uma diferença. A determinação de Yeda é a primeira das diferenças. A segunda é que nos outros governos existiam alternativas. No de Antonio Britto, nos valemos do programa de privatizações que gerou recursos para cumprir com os compromissos. No de Germano Rigotto, continuou o mecanismo do caixa único. O governo utilizava os recursos das reservas e formou-se uma dívida. Teve um grande diferencial que foi a possibilidade da utilização dos depósitos judiciais para financiar o caixa. Eles ainda existem e somam em torno de R$ 2,2 milhões. Só que todos esses mecanismos estavam esgotados no atual governo. Isto impôs um ajuste. JC - Qual? Englert - Programamos quanto iríamos gastar. Isso foi um grande diferencial que ainda não se tinha visto. Yeda chamou todos os secretários, especialmente os das áreas de custeio, e disse que, em primeiro lugar, nada de reajuste para pessoal. O objetivo era tentar minimizar o impacto do atraso na folha de pagamento. Acabamos atrasando, mas naquele primeiro momento valia o ajuste para todos. Então, conseguimos conter a folha de pagamento apostando no desempenho da arrecadação. Pelo gasto, pelo custeio, o que a governadora fez? Chamou todos os secretários e disse: vocês gastaram R$ 100 mil no ano passado e neste terão só R$ 70 mil. Conseguimos um bom desempenho de arrecadação no primeiro ano, reduzindo o déficit inicial de R$ 2,4 bilhões para R$ 1,2 bilhão. Também tomamos dinheiro emprestado do caixa único no primeiro ano, foi de R$ 1,1 bilhão. Ao partir para o segundo ano, mantivemos o gasto de custeio, mas aí a grande estrela foi o trabalho que se fez no primeiro ano, auxiliado pelo desempenho muito bom da economia que fez com que a receita crescesse mais de R$ 1 bilhão. JC - O funcionalismo pode esperar reajuste neste ano? Englert - Temos que ter cuidado. No orçamento colocamos 5,6% a mais em relação ao que tinha em 2008. Evidentemente que quando fizemos esse movimento, já colocamos algumas coisas. Primeiro, todos os compromissos que já tínhamos assumido da lei Britto, que atinge quase 90% do funcionalismo, praticamente a totalidade. Há duas parcelas programadas para este ano e o reajuste está garantido. Aos que têm direito a 33% será concedido mais15%, o que é bastante em um ano de crise. Já para aqueles que estão na menor faixa, de 20%, terão direito a mais 10% de acréscimo. Também iremos fazer a discussão sobre as carreiras estaduais. O espaço fiscal para colocar esta discussão deve acontecer já ao longo do primeiro semestre do ano. É possível que alguma coisa tenha impacto ainda para este ano, mas temos que ter muito cuidado. JC - E os investimentos para as estradas, mais um dos temas polêmicos nos últimos meses? Englert - O programa estruturante Duplica RS continua. É claro que imaginávamos que dentro deste programa obteríamos R$ 4 bilhões da iniciativa privada com a redução das tarifas de pedágio. A partir do momento em que houve uma negativa do Ministério dos Transportes, seguramente o Estado não tem esse valor para alocar no projeto. O que temos para gastar previsto no orçamento é em torno de R$ 300 milhões. Esse valor nós vamos cumprir, mas é provável que tenhamos que fazer realocações. Talvez tenhamos que mudar um pouco do que temos no orçamento porque existem algumas coisas que precisam ser feitas por segurança. JC - E qual é a orientação da governadora em relação ao piso do magistério? Englert - Temos que discutir com a sociedade claramente as reformas. Discutir qual é a expectativa em relação à escola pública. Isso tem que ser debatido com os pais, com os alunos, com os professores e com a sociedade para que se possa achar uma solução. O entendimento que temos é o de que a forma como isto está posto não se sustenta, porque não há dinheiro suficiente para atender às necessidades diante da quantidade de professores e do tamanho do magistério. JC - E a compra de um novo avião não é um contrassenso? Englert - Vou responder a isso da forma como a governadora responde. Ela diz que quer fazer essa discussão com a sociedade. O avião, muito mais do que o seu valor, representa analisar se um estado meridional, longe de Brasília, não deve ter um avião. De todos os estado brasileiros somente quatro não têm. Ele será do Estado, propiciando que a governadora leve a sua equipe quando vai ao Interior inaugurar alguma obra, fazer alguma assistência. JC - Para enfrentar a crise o governo federal reduziu o IPI e o presidente Lula disse que vai desafiar os governadores a também reduzir os tributos, no caso o ICMS. O governo gaúcho vai fazer isso? Englert - Quando o presidente Lula reduz o IPI, está reduzindo a nossa receita também. Estamos fazendo parte desse processo. Temos sim responsabilidade no ajuste e tenho certeza de que cada instância de governo tem que examinar aquilo que se pode fazer. Se mexer no ICMS significar reduzir a receita, não vamos fazer. Este é o princípio da governadora. Temos que estar preparados para absorver essas reduções. Já fizemos alguma coisa. Com relação às micro e pequenas empresas, vamos manter a segunda etapa de implantação do Simples RS. Serão contempladas as que faturam entre R$ 240 mil e R$ 2,5 milhões ao ano. Isso é um desafogo para todo este seguimento que corresponde a mais de 95% das empresas no Rio Grande do Sul. Essa redução de carga tributária vai custar ao Estado mais de R$ 300 bilhões. JC - A propósito, o senhor concorda com o projeto do governo sobre a reforma tributária? Englert - A posição do governo Yeda é de apoiar uma reforma tributária que simplifique a legislação e que reduza o número de impostos. Ela não pode significar a diminuição de recursos para os estados. Assim como temos responsabilidade com o País, temos que manter o que conseguimos conquistar a duras penas aqui. JC - E a articulação com a bancada federal para acompanhar a proposta? Englert - A bancada está mobilizada para acompanhar o Estado e vamos continuar com este processo.
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