Na tarde de sexta-feira, o recém-empossado secretário da Fazenda, Ricardo Englert, recebeu ZH para uma entrevista. Entrou no gabinete e foi logo dizendo:
– Como sou marinheiro, digo que estou vendo nuvens carregadas no horizonte, mas sei que vai dar para segurar.
Em seguida, explicou estar se referindo à nova rotina e desculpou-se pelo fato de não estar acostumado com entrevistas e exposição pública. Funcionário de carreira do Banrisul, Englert é reconhecido pelo perfil operacional. Mas a conversa avança, revelando que tem profundo conhecimento das finanças gaúchas e sintonia com o discurso do antessessor, Aod Cunha, e da governadora Yeda Crusius.
O novo secretário da Fazenda representa a quarta geração dos Englert no poder estadual. Seu bisavô, Luiz, foi deputado estadual constituinte em 1891, e um tio, Jorge, secretário de Obras Públicas, de 1971 a 1975. Agora, ocupa o mesmo gabinete que seu avô, Gaston, secretário da Fazenda de 1947 a 1950. Um funcionário atento remanejou a galeria de fotografias de ex-secretários de modo que, agora, a foto de Gaston está em frente ao elevador que dá acesso à principal sala do edifício da Avenida Mauá:
– Ele pisca para mim todo dia quando eu chego – brinca Englert.
Zero Hora – A crise financeira já bateu nos cofres do Estado?
Ricardo Englert – Durante a maior parte de 2008, a arrecadação de ICMS atingiu o que estabelecemos como supermeta, que é um percentual acima da meta efetivamente fixada. Em dezembro, ficamos R$ 80 milhões abaixo da supermeta, que era de R$ 1,284 bilhão, e pouca coisa abaixo da meta de R$ 1,257 bilhão.
ZH – Tendo em vista o cenário geral, não é um mau prognóstico?
Englert – Achamos que não há motivo para sustos. Em dezembro, a queda na indústria foi de (cerca de) R$ 50 milhões – projetamos R$ 270 milhões, mas ficou em R$ 214 milhões. Estávamos preocupados com o resultado de janeiro, que historicamente é o melhor do ano, porque equivale às vendas de Natal. Veio R$ 230 milhões, acima da meta. Acreditamos que o primeiro trimestre será o mais difícil do ano.
ZH – A partir de que percentual de queda acende o alarme na Fazenda?
Englert – O orçamento prevê uma receita de R$ 15,8 bilhões. Dividimos este valor ao longo do ano, mas, claro, em alguns meses a arrecadação será maior do que em outros. Ficaremos preocupados quando as metas mensais não forem atingidas. Se a receita cair, teremos de saber rapidamente onde cortar.
ZH – O governo já tem um plano para o caso de piorar muito?
Englert – Achamos que há espaço para cortes no custeio, que é de R$ 1 bilhão anual. Não estou falando em reduzir nominalmente. Acreditamos que não está completamente absorvido o nosso ganho por ter colocado as contas em dia. E a crise também nos ajuda nisso. Com a economia aquecida, vender para o Estado não era tão importante, já que demorava até 13 meses para receber. Com a crise, as licitações tendem a ser mais concorridas, o que ajuda a baixar o preço. Além disso, como pagamos em dia, já não têm embutido sobre preço por conta do atraso. No caso de medicamentos, conseguimos uma redução média de 30% e, em alguns casos, até 87%. É bem razoável que o custeio seja reduzido em 10%, são R$ 100 milhões. Se a gente não conseguir cortar o custeio e a receita cair, aí teremos de trabalhar no investimento.
ZH – Quais são os investimentos que podem ser cortados?
Englert – Na próxima semana, haverá uma reunião entre a governadora e os secretários para definir custeio e investimento. Uma hipótese é deixar 10% do custeio de reserva e ir monitorando a receita. Se tudo correr bem, revisamos e liberaramos. A máquina funciona bem com 90% do que está orçado. Do lado dos investimentos, poderemos fazer da mesma forma. Definir os que têm de começar de imediato. Talvez a gente seja mais conservador do lado dos investimentos. Podemos começar liberando R$ 500 milhões e acompanhar como a economia reagirá à crise.
ZH – O governo planeja medidas para estimular a economia, como o governo federal e o de São Paulo?
Englert – Vamos manter a todo custo o R$ 1,25 bilhão para investir. Cumpriremos o acordado no Supersimples. Significa renúncia de R$ 300 milhões no ano. O governo federal está concedendo benefício sobre as receitas compartilhadas, isto é, vai cair a transferência para o Estado. Já houve uma queda importante na arrecadação com a Cide (contribuição sobre combustíveis), fruto do movimento mais fraco no final de 2008. A fatia do Estado varia de R$ 80 milhões a R$ 90 milhões, mas poderá ficar em R$ 50 milhões.
ZH – Este seria o ano de o governo investir, capitalizar o fato de ter alcançado o déficit zero. A crise atrapalha?
Englert – Nossa intenção é investir. Uma coisa é monitorar para chegar no fim do mês com dinheiro suficiente para pagar as contas e outra, bem diferente, é monitorar o tamanho do investimento que tu estás fazendo.
ZH – Toda essa situação ameaça a consolidação do déficit zero?
Englert – O que pode ameaçar o déficit zero é não conseguir segurar pressões por aumentos de salários e outras do mesmo tipo.
ZH – E políticas, porque 2009 é ano pré-eleitoral, certo?
Englert – O grande desafio da Fazenda, junto com a governadora, é segurar as pressões. Se a execução do orçamento for como está posto, temos grandes chances de sucesso. A receita precisa crescer 6%. Como a inflação deverá ficar perto de 4%, vamos precisar de 2%.
ZH – O senhor se considera pão-duro?
Englert – Pessoalmente, sou muito pão-duro. Eu brigo muito com a minha mulher e com os meus filhos porque eles não são. Eu brigo por todos os centavos.
ZH – O senhor concorda que é uma virtude para um secretário de Fazenda?
Englert – Até vou dizer uma coisa dura: a gente não pode ter coração. Eu sou um cara emotivo. Sofro muito com os não que a gente é obrigado a dizer. Passei mal no dia que tive de dizer não para o diretor de um hospital. Era uma pressão horrível aqui. Ainda bem que isso não existe mais. Em outros tempos, eu não poderia estar sentado aqui dando esta entrevista.
ZH – Por quê?
Englert – Porque estamos a uma semana do fim do mês. Estaria correndo atrás de dinheiro. Estaria no telefone, recorrendo ao Siac (caixa único), às estatais, à Brasília, fazendo varredura em todas em fundos, nas estatais. O Estado inteiro escondia o dinheiro que tinha, e nós atrás para descobrir. Agora, as estatais põem a sobrinha de caixa aqui com a gente porque a remuneração é melhor. O pior lugar para trabalhar neste prédio era o Cpof (Comitê de Programação Orçamentária e Financeira). Havia fila de fornecedor chorando, literalmente. Os telefones tocavam sem parar. Hoje, é o paraíso.
ZH – Qual é a marca que o senhor pretende deixar de sua passagem pela secretaria?
Englert – Transformar o ajuste fiscal em um valor de toda a sociedade. Vou me sentir realizado, novamente. Isso porque já me sinto realizado por ter feito parte da equipe que conquistou o ajuste fiscal. Isso ninguém me tira. Mas essa conquista tem de ser consolidada. A sociedade não pode mais permitir gastos maiores do que a receita. Eu quero ser cobrado. Quando alguém decidir dar aumentos, a sociedade tem de participar, tem de saber de onde sairá o dinheiro. Isso não significa que não haverá aumentos, mas a gente acha que os aumentos deste ano já estão contemplados.