Folha de S. Paulo - Um país travado
03/05/2004
Um país travado
SÃO PAULO - Parece agora haver pouca gente informada que não considere o governo Lula uma ilha de política econômica conservadora cercada de uma geléia de imobilismo, improviso e palavróides, os pré-factóides do presidente.
Mas o despreparo petista-lulista não explica a paralisia brasileira, nem mesmo se conjugado aos efeitos da bancarrota da década tucana.
Todos os partidos importantes já estiveram no poder após a ditadura. No futuro próximo, a alternância política deve se limitar a petistas e tucanos, com seus agregados. No mais, a política não passa de caciquias e feudos regionais de PMDB e PFL. A mudança não virá daí, da fisiologia e do esquartejamento clientelista do que resta do Orçamento.
Os movimentos sociais mais ativos, como o MST, estão na periferia das questões nacionais. O desemprego se manifesta socialmente no crime ou na ação pulverizada de movimentos como o dos sem-teto. A despolitização das "festas" do Dia do Trabalho espelha parte do torpor do país.
Projetos de reformas estruturais, seja qual for sua direção, são bloqueados por grupos de interesse fincados como cracas no Estado ou pelo federalismo torto. Reformas sociais, dos impostos, do trabalho, da Previdência, da Justiça, tudo é travado por grupos que se sobrepõem a qualquer traço de projeto global coerente.
A captura do Estado por grupos econômicos fortes avançou como nunca na reforma conservadora tucana. Ex-estatais têm renda cativa. A grande finança supera-se a cada dia na imposição de seus pleitos.
Mesmo a universalização do voto é em parte fraudada por estelionatos eleitorais. A democracia aparece, pouco, na ação dos conselhos sociais, que influenciam linhas mais gerais das políticas de saúde (e, em tom menor, as políticas de assistência social e educação), herança da Carta de 88.
A falência do Estado sob FHC, a ausência de alternativas ideológicas e o poder da finança mundial condicionam este cenário de imobilismo. Mas algo mais travou com força a política reformista brasileira. O que houve?
Fonte: Folha de São Paulo
Data: 03/05/2004
Coluna:Opinião - Vinicius Torres Freire
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