ZH: 500 dias em busca de um rumo
14/05/2004
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva completa hoje 500 dias no comando do Palácio do Planalto com uma coleção de desgastes. Sem forças para romper as amarras da política econômica e desnorteado pelas críticas, Lula se aproxima da metade do segundo ano de mandato ainda em busca de rumo.
A ordem para expulsar o correspondente do The New York Times no Brasil Larry Rother, autor de uma reportagem sobre supostos excessos de Lula no consumo de álcool, foi mais uma decisão atrapalhada do governo do PT em Brasília. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) revogou liminarmente a medida ontem, tornando inócua a deliberação. Com a decisão de expulsar Rohter, o presidente confirmou que está impaciente com os obstáculos do caminho. Em reunião ministerial no dia 23 de abril, Lula soqueou a mesa para cobrar dos ministros mais gastos e ação.
A pressa tem levado o presidente a anunciar medidas que ainda não foram completamente definidas por sua equipe. Em 26 de abril, Lula prometeu como "boa notícia" a correção da tabela do Imposto de Renda. A Receita Federal tinha apenas estudos embrionários sobre o reajuste. Aliado de primeira hora do presidente Lula, o governador Germano Rigotto está decepcionado com anúncios do Planalto que não se confirmam.
- Do anúncio à efetivação daquilo que foi anunciado tem uma distância muito longa. É um dos problemas mais sérios do atual governo federal, levando-o ao desgaste - afirma Rigotto.
Ontem, o presidente utilizou a reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social para anunciar medidas que amenizassem a errância do governo. Três dos oito pontos da agenda positiva (veja quadro na página 4) - ampliação do recrutamento das Forças Armadas, verbas para conserto de estradas e mudança nas regras do Primeiro Emprego - vinham sendo badalados pelo presidente desde abril.
O anúncio não foi suficiente para acalmar o descontentamento de aliados como o presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Luiz Marinho, para quem o valor de R$ 260 para o mínimo é inadmissível. O diretor do Núcleo de Estudos Estratégicos da Universidade de Campinas, Geraldo Cavagnari, viu a contratação de mais 30 mil recrutas em 2004 como uma esmola social.
- As Forças Armadas não são escolas profissionalizantes. Elas precisam de recursos para serem reequipadas e não para fazer benemerência com recursos públicos - comentou Cavagnari.
Em 500 dias, Lula admitiu que o tempo de bravatas virou recordação do período em que agitou a oposição no Brasil. Também percebeu que o discurso mágico deveria ceder lugar ao realismo político. Ontem, na solenidade do Conselhão, proferiu a defesa mais adequada contra os percalços dos tempos iniciais de governo:
- Todos vocês sabem que não existe milagre. Muitas vezes, no governo, temos os mesmos desejos que vocês têm. Há uma pequena diferença: é que nós, às vezes, temos que assinar o cheque.
A relação do governo
Bingos
A promessa
- Depois da derrota no Senado que arquivou a medida provisória proibindo o funcionamento de bingos e máquinas caça-níqueis no Brasil, o Planalto prometeu anunciar uma solução definitiva contra a jogatina no país.
A situação atual
- O governo decidiu apenas que encaminhará em regime de urgência um projeto de lei que regulamentará o jogo no Brasil, mas não deu um novo prazo.
Anunciada durante a passagem do presidente Lula por Caxias do Sul no final de fevereiro como reação contra a repercussão negativa do caso Waldomiro Diniz, a proibição de bingos vigorou por 76 dias até ser derrubada pelo voto de 32 senadores no dia 5 de maio. Dois dias depois, atordoado, o governo não sabia se reeditaria a medida ou se mudaria a estratégia com um projeto de lei. O porta-voz da Presidência, André Singer, garantiu que a decisão sairia no dia 7 de maio, o que acabou não se confirmando.
"Determinei que fosse editada uma medida provisória proibindo os bingos e os caça-níqueis neste país até que se encontre uma solução definitiva para essa situação. Não haverá problema político que atrapalhe os passos que o Brasil precisa dar."
Lula, em 20 de fevereiro de 2004, em Caxias do Sul, ao anunciar a edição da MP
Reforma agrária
A promessa
- Em 30 de março, o Planalto anunciou que o orçamento para reassentamentos do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) seria reforçado em R$ 1,7 bilhão em 2004.
A situação atual
- O Planalto ainda não encaminhou ao Congresso projeto de suplementação orçamentária que garantirá os recursos adicionais. A primeira parcela seria de R$ 430 milhões.
- Para acalmar o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) no calor do Abril Vermelho, o Planalto anunciou que engordaria o orçamento para a reforma agrária em 2004 em R$ 1,7 bilhão. Às turras com o MST, o governo corre contra o relógio para atingir o objetivo de assentar 115 mil famílias ao longo do ano. No primeiro trimestre, terras foram distribuídas a 11.093 famílias - 10% do estipulado.
"Neste país, a reforma agrária vai ser feita por uma questão de justiça social, por uma necessidade de repartir melhor o território produtivo, para que a nossa gente tenha a oportunidade de trabalhar. Vamos assentar, até o final do meu mandato, 400 mil famílias."
Lula em 30 de março de 2004, ao anunciar o reforço de verbas
Imposto de renda
A promessa
- O presidente Lula prometeu a metalúrgicos, em 26 de abril, que daria como "boa notícia" até o final daquela semana a correção da tabela do Imposto de Renda, exigida por sindicalistas. A tabela define os percentuais de contribuição (15% e 27,5%) e a faixa de isenção, atualmente em R$ 1.058.
- A situação atual
- Nenhuma sugestão concreta foi encaminhada pelo governo. O Ministério da Fazenda admite corrigir a tabela, desde que a medida venha acompanhada da criação de novas alíquotas.
O anúncio presidencial foi feito em um discurso improvisado, em solenidade para metalúrgicos da Mercedes-Benz de São Bernardo do Campo (SP), e trouxe desconforto ao governo, pois os estudos técnicos sobre a correção eram embrionários. Segundo o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), o congelamento da tabela nos 15 primeiros meses do governo Lula fará com que os trabalhadores brasileiros paguem R$ 1,7 bilhão a mais de Imposto de Renda em 2004. A defasagem total alcança os 54%.
"Nós precisamos discutir é a justeza da alíquota, que há muitos anos se reivindica que ela seja reajustada, pelo menos para cumprir aquilo que é a taxa de inflação"
Lula, em 26 de abril, ao confirmar que a tabela do Imposto de Renda seria corrigida
Primeiro emprego
A promessa
- Em agosto de 2003, o presidente garantiu que o Primeiro Emprego geraria 250 postos de trabalho para jovens entre 16 e 24 anos em 2004.
A situação atual
- Em maio, o governo resolveu alterar as regras do programa para torná-lo mais atraente. As novas normas foram anunciadas ontem. A meta de 2004 foi reduzida para 50 mil jovens empregados.
- A proposta, sancionada em outubro pelo presidente como um trunfo na geração de empregos, fracassou. Apenas 700 empregos teriam sido criados, segundo o Ministério do Trabalho. Por meio do Primeiro Emprego, empresas cadastradas contratariam jovens entre 16 e 24 anos, faixa etária que concentra 45% dos desempregados. O Planalto ampliou o incentivo fiscal de R$ 1,2 mil para R$ 1,5 mil e retirou a exigência de empresas manterem o quadro de pessoal durante o programa.
"Estamos mandando para o Congresso Nacional uma mudança na lei do Primeiro Emprego. E por que estamos fazendo as mudanças? Porque do jeito que nós mandamos na primeira vez pensamos como sindicalistas. Nós mandamos uma lei que dizia que o empresário não podia mandar um outro trabalhador embora. Significa que a lei está bonita, perfeita, mas o empresário não contratou ninguém."
Lula, em 26 de abril, ao comunicar que o Primeiro Emprego seria alterado.
Fome zero
A promessa
- Ao assumir, o presidente Lula alçou o Fome Zero à condição de programa símbolo do seu governo e do compromisso de garantir três refeições ao dia a todos os brasileiros até o fim do mandato.
A situação atual
- 2003 foi o ano perdido do Fome Zero. Lula iniciou 2004 reunindo todas as ações sociais no superministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, conduzido pelo ex-prefeito de Belo Horizonte (MG), Patrus Ananias.
"Estou convencido de que possivelmente cometemos muitos erros neste primeiro ano. E não poderia ser diferente. A coisa que eu mais queria na vida era que o meu filho aprendesse a andar sem cair, sem levar nenhum tombo, mas ele teve muitos tombos até aprender a andar. O Programa Fome Zero e o Bolsa Família, na minha opinião, estão consolidados no nosso país. Falta agora atender à plenitude de pessoas que precisam ter acesso a eles. E isso exige recursos."
Lula, em 3 de fevereiro, na solenidade de um ano do Fome Zero
Salário mínimo
A promessa
- Durante a campanha eleitoral de 2002, Lula prometeu que duplicaria o poder de compra do salário mínimo até o fim do seu mandato.
A situação atual
- O Congresso analisa a proposta de reajuste de 8,3% que elevaria o salário mínimo de R$ 240 para R$ 260. O relator da Comissão Especial do Congresso, Rodrigo Maia (PFL-RJ), propôs em parecer o valor de R$ 275.
- Após prolongadas reuniões e sucessivos adiamentos, o Planalto divulgou, constrangido, que não poderia fazer com que o salário mínimo fosse além de R$ 260 em 2004. Para justificar o valor, disse que as contas da Previdência limitam qualquer aumento mais audacioso. A proposta incendiou a oposição e desagradou à base aliada. Pelo menos 20 deputados de correntes mais à esquerda do PT ameaçam votar em um salário mínimo de R$ 280, contrariando o governo.
"Tivemos o cuidado de dar o reajuste da inflação e uma pouquinha coisa a mais."
Lula, em 3 de maio de 2004, ao justificar o valor de R$ 260
Rodovias
A promessa
- Lula anunciou um programa de pelo menos R$ 500 milhões para recuperação de rodovias antes de o Ministério dos Transportes concluir um plano abrangente de restauração de estradas.
A situação atual
- O Ministério dos Transportes colocou na mesa do presidente um plano de R$ 2 bilhões para melhorar as condições de 13 mil quilômetros de rodovias e reclamava da demora da Fazenda para autorizar as obras. Ontem, o presidente confirmou na "agenda positiva" a restauração de 7,8 mil quilômetros.
- Lula obrigou o ministro do Planejamento, Guido Mantega, a encontrar recursos que garantissem o início da duplicação do trecho sul da BR-101 ainda em 2004. Por exigência do presidente, foram assegurados os R$ 60 milhões para iniciar as obras. Essa tem sido a rotina presidencial em relação a verbas para infra-estrutura: determinar os ministros da área financeira a espremer o orçamento e encontrar fontes para ampliar o gasto. Na tensa reunião ministerial do dia 23 de abril, Lula chegou a soquear a mesa. Cobrava mais ação da equipe.
Recrutas
A promessa
- Na mesma solenidade em que prometeu a metalúrgicos paulistas a revisão da tabela do Imposto de Renda, Lula disse que elevaria o número de recrutas de 50 mil, em 2003, para 100 mil em 2004.
A situação atual
- Ontem, o presidente confirmou que mais 30 mil recrutas serão selecionados. O Ministério da Fazenda resistia, em função do custo: R$ 239 milhões ao longo de 2004.
- A proposta de elevar de 50 mil para 100 mil os recrutas das Forças Armadas seria uma arma para conter o avanço da criminalidade, principalmente em metrópoles. A incorporação está sendo organizada pelo Ministério da Defesa em conjunto com as pastas do Trabalho e do Planejamento. Além do recrutamento, receberiam treinamento profissionalizante. Recrutamento a partir de maio e o treinamento no segundo semestre.
Farmácias populares
A promessa
- É promessa de campanha. Em 21 de abril, Lula assegurou que em maio começariam a funcionar as primeiras unidades.
A situação atual
- Segundo o Ministério da Saúde, o projeto está pronto e aguarda apenas uma brecha na agenda do presidente para que as unidades do programa comecem a vender remédios.
- Promessa de campanha inspirada em experiências realizadas em Estados como Rio de Janeiro e Pernambuco, as farmácias populares ainda não saíram do papel. A demora é atribuída à mais recorrente das justificativas na largada do governo Lula: o projeto estaria pronto desde dezembro de 2003, mas restrições financeiras retardam a implantação. A idéia é vender remédios a preços baixos. A meta, lançar o programa em quatro cidades e estendê-lo a pelo menos 50 em 2004.
O pacote de Lula
Oito medidas anunciadas ontem pelo presidente para aplacar a crise de orientação do governo:
Universidade para Todos - Setenta mil vagas públicas em faculdades particulares.
Cotas em universidades - Metade das vagas nas federais para oriundos de escolas públicas.
Soldado Cidadão - Contratação de mais 30 mil recrutas.
Primeiro Emprego - Mudanças das regras.
Crédito para aposentados - Empréstimo com desconto em folha.
FGTS para idosos - Pagamento das perdas dos planos Collor e Verão I.
Recuperação de estradas - Obras em 7,8 mil quilômetros de rodovias.
Recursos para o saneamento - Convênios de R$ 2,8 bilhões com Estados e municípios.
Fonte: Zero Hora
Data: 15/05/2004
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