ZH: STF ameaça derrubar taxação de inativos
27/05/2004
Depois de aprovar em dois turnos no Congresso a cobrança da contribuição previdenciária dos servidores inativos, o governo Luiz Inácio Lula da Silva corre o risco de ver a medida derrotada no Judiciário.
Considerada peça fundamental da reforma da Previdência promovida por Lula, a taxação dos atuais inativos é questionada no Supremo Tribunal Federal (STF) por duas associações de integrantes do Ministério Público. Ontem, o julgamento das ações pelo pleno do STF foi interrompido por um pedido de vistas do ministro Cezar Peluso quando já haviam sido computados dois votos contrários (dos ministros Ellen Gracie e Carlos Britto) e um favorável (do ministro Joaquim Barbosa) à medida.
Nos bastidores do STF, o prognóstico é de que o governo sairá derrotado. O presidente da Associação do Ministério Público do Estado do Rio, Marfan Vieira, assistiu ao julgamento e previu que o Planalto poderá perder a disputa por seis votos a quatro. Além disso, observou, a decisão poderá abrir caminho para que os futuros aposentados e pensionistas também se livrem da contribuição. A possibilidade foi aberta pela relatora das ações, Ellen Gracie, de acordo com especialistas que assistiram ao julgamento. Ela disse que um tributo (a contribuição previdenciária é considerada tributo por entendimento do próprio STF) só pode ser instituído se houver um benefício em contrapartida.
- O servidor não pode ficar sujeito a pagar uma contribuição por causa de fatos passados. A tese do déficit da Previdência ou de que o servidor não contribuiu o bastante não são causas legítimas (para justificar a tributação). Não há contribuição sem benefício e benefício sem contribuição - disse a ministra.
O ministro Carlos Britto, indicado para o Supremo por Lula no ano passado, baseou seu voto contrário ao governo no princípio de que direitos adquiridos não podem ser atingidos nem por emenda constitucional.
- As emendas estão proibidas de ofender o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada - afirmou Britto.
Também indicado por Lula, o ministro Joaquim Barbosa votou a favor da contribuição. Único negro do STF, ele chegou a citar a época da escravatura para reforçar a idéia de que direitos não são absolutos.
- Ninguém com o mínimo senso de ética evocaria o direito adquirido na questão dos senhores de escravos diante da lei emancipadora - disse Barbosa.
Em tese, o julgamento iniciado ontem terá de ser retomado em 10 dias, conforme resolução do STF. No entanto, se considerar necessário, o ministro Cezar Peluso, autor do pedido de vistas, poderá pedir a prorrogação do prazo. Além das duas ações analisadas ontem pelo Supremo, existem outras cinco em tramitação questionando pontos da reforma da Previdência.
Advogado-geral diz que julgamento continua
O procurador-geral da República, Claudio Fonteles, já havia emitido parecer sobre as ações julgadas desde ontem no qual se manifestava contra a contribuição dos inativos. Já o advogado-geral da União, Álvaro Ribeiro da Costa, que defende o governo, não quis comentar os votos declarados e disse apenas que o julgamento ainda não terminou.
- A votação depende de seis votos. No momento, há dois (contra), os outros (ministros) ainda não se manifestaram.
Saiba mais
Ellen Gracie, ministra do STF
Não há contribuição sem benefício e benefício sem contribuição.
Por que é importante
- O desconto dos inativos é o pilar da reforma da Previdência instituída pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Já praticada em alguns Estados, ela é decisiva para o equilíbrio das contas da Previdência, que amargam um déficit estimado em R$ 30,2 bilhões este ano.
- Com a contribuição dos inativos, o governo previa arrecadar este ano R$ 830 milhões.
- A derrota na votação do desconto dos inativos, se confirmada, será a mais séria sofrida pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva no Supremo, no momento em que se prepara para assumir a presidência da Corte um ministro mais afinado com o Planalto, Nelson Jobim.
Fonte: Zero Hora
Data: 27/05/2004
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