FSP: CLÓVIS ROSSI - Todos com todos
16/03/2005
SÃO PAULO - Em um dia de 1985, o sociólogo argentino-brasileiro Guillermo O'Donnell, entre os melhores do mundo, lamentou que a transição brasileira para a democracia se desse na base de "todos com todos".
Queria dizer que a democracia voltava com o poder dividido entre oposicionistas ao regime militar e simpatizantes dele, sem, portanto, a menor ruptura com o passado.
Vinte anos depois, vê-se que O'Donnell estava certo ao lamentar-se. A conciliação entre as elites, nascida com o Brasil, tornou-se característica permanente.
O Brasil talvez tenha sido o único país do mundo cuja independência foi dada pelo representante do país colonizador, no caso Portugal. Não houve um San Martín ou um Bolívar, ao contrário do que ocorreu no resto da América do Sul.
Fernando Henrique Cardoso, em 1994, aprofundou o "todos com todos", ao aliar-se ao PFL, embora, em todas as eleições importantes anteriores, tucanos e pefelistas tivessem estado em campos opostos.
O PT, em 2002 e mais ainda no governo, fechou o círculo. Agora, sim, são definitivamente "todos com todos", por mais que haja uma disputa por pedaços de poder com o PSDB. Mas não é uma disputa de projetos ou visões de mundo diferentes.
Prova-o o fato de que é um ex-deputado do PSDB, Henrique de Campos Meirelles, quem controla duas das três políticas vitais na área econômica, como sejam a monetária (juros) e a cambial.
Haverá quem veja méritos na conciliação permanente. Até certo ponto é verdade. Correu menos sangue do que, por exemplo, na Argentina ou mesmo no Chile.
Mas perpetuar a conciliação pelo alto significa também perpetuar o velho e impedir que floresça o novo. É optar pelo conservadorismo em um país em que há pouco de louvável a de fato merecer conservação.
Fonte: Folha de São Paulo
Data: 16/03/05
|
|