MATÉRIA DA REVISTA VOTO
30/05/2005
O AFOCEFE-Sindicato chama a atenção da sociedade para a importante, instigante e definidora reportagem de título "A Crise na Fazenda de dentro para fora", publicada pelo jornalista Marcelo Nepomuceno, na revista Voto (Edição nº11 - MAIO de 2005), que reproduzimos abaixo.
A Crise na Fazenda de dentro para fora
Nesses dois anos e meio no governo, Germano Rigotto vê nos cofres vazios do Estado, o seu maior dilema. As opiniões sobre o porquê da crise são as mais variadas. A primeira reunião da subcomissão criada na Assembléia, e que abordará a crise nas finanças é um exemplo. Os três ex-secretários que compareceram à audiência (Arno Augustin, César Busatto e Orion Cabral) foram unânimes em apenas um ponto: de que esta crise não se deu no período em que comandaram a pasta. Apontando números de suas gestões, eximiam-se da responsabilidade atribuindo, por conseqüência, às gestões anteriores (ou posteriores), a culpa pela crise. Já o governador insiste que o problema se deve, principalmente, à não compensação por parte do governo federal, dos créditos de exportação referente a Lei Kandir, enquanto a oposição ataca veementemente a política de anistias e benefícios fiscais. Nesse contexto, qual é a parcela da Secretaria da Fazenda? A responsabilidade é somente do secretário? Até que ponto os pleitos corporativos prejudicam o bom andamento da secretaria?
Ausência nos municípios
Para o ex-presidente da Associação Gaúcha dos Municípios (AGM) e atual prefeito de Victor Graeff, Flávio Lammel, o Estado possui uma Fazenda ineficaz. “Imagino que a Fazenda possua um corpo qualificado de funcionários, mas que infelizmente não está funcionando”. Lammel afirma que os municípios estão sendo jogados à própria sorte, carentes de uma maior atuação do fisco no interior. A presença da fiscalização nestas regiões é necessária não apenas para coibir a sonegação, mas por questão de competência, como lembra o presidente do Conselho dos Secretários Municipais da Fazenda (CONSEF), Milton Mattana: “o fiscal municipal tem grandes limitações. Ele não pode entrar nos estabelecimentos. Se tem um supermercado que declara R$ 5 mil de estoque e eu entro lá e vejo que tem pelo menos R$ 50 mil, infelizmente não posso fazer nada”, alerta. Mattana diz que o problema é maior naqueles municípios onde não há grandes empresas. “Nestes, creio que perdemos até 50% da arrecadação de ICMS”.
Na contramão dessas carências, a SEFAZ vem realizando o gradativo fechamento de repartições fazendárias nestes municípios de menor porte, restringindo o atendimento às delegacias regionais. “A atuação dos fiscais tem sido pouca mesmo, acho um erro diminuir o atendimento. A fiscalização restrita aos gabinetes é uma forma de não combate à sonegação, porque quanto mais gente na rua, maior eficiência”, completa Lammel. O ICMS eletrônico tem sido utilizado como ferramenta da Fazenda para ampliar a mobilidade dessa fiscalização, como forma de conferir o movimento de empresas sem que se tenha a presença de um fiscal no local. Quanto a esse procedimento, porém, Mattana ressalva: “O meio eletrônico é bom, mas controla apenas aquilo que a empresa quiser informar”.
Mais que um problema estrutural
Perguntado sobre o problema, o presidente da Associação dos Fiscais de Tributos Estaduais (AFISVEC), Abel Henrique Ferreira, diz que a culpa não é dos fiscais. “Nós não temos recursos financeiros para deslocar pessoas”, resume. Segundo ele, não há maior mobilidade porque falta dinheiro. A questão estrutural também é apontada pelo ex-governador Jair Soares: “A máquina não está aparelhada e nem modernizada para fazer uma fiscalização eficaz”.
No final de 2004, o governo do Estado anunciou a idéia de contratação de uma consultoria que elaboraria um diagnóstico visando uma reforma no setor público (inclusive na Fazenda), o que acabou batendo de frente com o grupo de alto escalão da secretaria, da categoria dos Agentes Fiscais representados por três entidades - AFISVEC, SINDAF e SINTAF que, desde a metade do ano passado, pressiona o governo para que encaminhe à Assembléia a proposta da lei orgânica da administração tributária. Este projeto prevê a criação de um órgão independente da Fazenda que teria a competência exclusiva de gerir todas as atividades de fiscalização, arrecadação e controle dos tributos no Estado.
Governo refém
Visando a rápida apreciação do projeto que cria o órgão da administração tributária, os Agentes Fiscais da Fazenda promoveram uma paralisação de 48 horas no final do ano passado, além de um grupo de 30 Agentes que ocupam cargos de chefia, que colocaram seus cargos à disposição do secretário Michelucci. Temendo represálias como operação-tartaruga e o represamento de receitas, Michelucci não aceitou a demissão, atendendo parcialmente ao pleito das entidades, prorrogando a discussão para este ano, o que já vem ocorrendo através de reuniões entre técnicos das entidades, Procuradoria Geral do Estado e Casa Civil. No centro da questão sobre a administração tributária está o temor por parte do governo em perder o controle sobre a receita do Estado. Além de autonomia administrativa e financeira, as propostas orçamentárias do órgão seriam encaminhadas diretamente ao Legislativo sem a apreciação da Fazenda. “O governo sentiu a perda do controle, chegou a pensar que seria um novo Ministério Público”, reconhece Ferreira.
Pleitos Corporativos
A Secretaria da Fazenda possui uma das maiores estruturas do governo do Estado, abrigando aproximadamente 3000 servidores, entre ativos e aposentados. Praticamente todos os segmentos de funcionários mantém uma entidade que as represente e estes, pela natureza de sua atuação, possuem alto poder de barganha junto ao governo. Nas entrelinhas da lei orgânica da administração tributária, também está o viés corporativo das entidades que o elaboraram. As reformas na Fazenda não são novidade. Na última delas, em 1996, o então governador Antônio Britto estabeleceu a unificação das carreiras dos fiscais e auditores, criando o cargo único de Agente Fiscal do Tesouro do Estado, para tentar acabar com as disputas na pasta. Interesses corporativos diversos acabaram gerando outros conflitos de relacionamento entre as classes compreendidas como Agente Fiscal. A nova proposta reedita a velha estrutura, com o Agente Fiscal sendo dividido agora em Auditor Fiscal da Receita, responsável pela fiscalização de tributos, e Auditor do Estado, com a atribuição de controlar os gastos públicos.
A entrada de novos servidores nos quadros da Fazenda tem sido emperrada pela discussão da administração tributária. O governador do Estado já manifestou o seu interesse em realizar um novo concurso para 100 servidores de nível superior além da nomeação de 270 Técnicos do Tesouro já aprovados. Tanto os Técnicos (que iriam para os postos desativados no interior) como os Agentes Fiscais concursados, atuariam especificamente na fiscalização da Fazenda. O lobby das entidades que querem a administração tributária, porém, parece mais forte. “Não adianta pegar um grupo de 50 ou 100 pessoas e jogar numa coisa (a Fazenda) que não está estruturada”, explica Abel Ferreira, alertando que os novos servidores seriam treinados pelos atuais. “E se o atual já está em um período de desmotivação, desmobilização, aquela fruta boa que vai entrar pode ser estragada pelo sistema atual”, completa.
A força do lobby fica mais evidente em face do poder de decisão que o alto escalão dos Agentes Fiscais tem na Fazenda. No ano passado, no ápice da crise financeira, eles expediram ordem de serviço proibindo os contribuintes de pagar tributos nos postos fiscais móveis e, recentemente, ampliaram a proibição para os postos fixos, com a intenção de retirar atribuições e reduzir o status funcional dos Técnicos do Tesouro do Estado, categoria responsável pela arrecadação de receita e considerada entrave para a implementação da administração tributária. A medida, segundo os Técnicos, é contrária ao interesse público, pois dificulta a vida do contribuinte regular que deseja pagar o imposto e facilita a vida do sonegador.
Com esse terreno em ebulição, o secretário Michelucci está cada vez mais pressionado. Após o aumento das alíquotas do ICMS na Assembléia, a troca do titular na pasta da Fazenda era iminente. Tudo indicava para o nome do deputado federal César Schirmer, ex-secretário da Fazenda e que teria a atitude necessária para promover as mudanças na secretaria. A fidelidade de Michelucci ao governador e o crescimento na arrecadação nos meses de março e abril, no entanto, acalmaram a situação, pelo menos por enquanto. Assim, o secretário vê de um lado o governador que exige ações efetivas da Fazenda e a busca por explicações para a constante queda na arrecadação de ICMS em relação ao PIB (VER TABELA), de outro, os servidores de alto escalão que, agora unidos, insistem na implantação da administração tributária. Nesta briga, porém, o maior receio de Germano Rigotto é o de que ocorra aqui no Estado, o que em 1988 o então governador Pedro Simon chamou de “15 anos de greve branca”.
TABELAS
ICMS – Arrecadação Mensal/2005
Mês ICMS Total Variação
Janeiro R$ 823.808.831,59
Fevereiro R$ 788.881.759,85 -4,24%
Março R$ 826.767.595.47 +4,80%
* Corrigido pelo IGP/DI
Fonte: SEFAZ
Crescimento PIB-RS X ICMS-RS
Ano
PIB-RS (%) ICMS (%)
1994 5,19 1,10
1995 (5,01) 5,28
1996 0,47 2,96
1997 6,06 (7,38)
1998 (0,53) 1,54
1999 3,00 (1,10)
2000 4,38 6,50
2001 3,06 7,67
2002 1,08 (2,53)
2003 5,39 (1,35)
2004 3,55 (2,06)
2005 2,41 (3,00)
Fonte: FEE/SEFAZ
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