Revista Veja: O grande salto
05/12/2005
Cinco barreiras impedem a economia brasileira de produzir riqueza para seus habitantes em nível similar ao de países avançados. Essa é a notícia ruim. A boa? Os entraves podem ser removidos com algum comprometimento da sociedade. Um bom começo é deixar de
colocar toda a culpa nos juros e no câmbio.
Por que o desempenho econômico do Brasil é mais fraco que o de seus principais concorrentes no mundo? O que o país precisa fazer para melhorar substancialmente a qualidade de vida de sua população? Essas perguntas, que dominam o debate público desde os anos perdidos da década de 80, voltaram à cena com força na semana passada, depois que o IBGE registrou uma queda de 1,2% do produto interno bruto (PIB). Esse resultado marcou a interrupção de um período de oito trimestres de crescimento consecutivo. Foi apenas um soluço da máquina produtiva, que vinha funcionando bem. Mas os culpados pela queda do PIB não demoraram a ser apontados com a ênfase costumeira: juros altos, câmbio valorizado e arrocho do investimento público.
Juros e câmbio são fatores que pesam em qualquer economia, mas eles não podem ser manipulados pelo governo com o objetivo de produzir surtos de crescimento. São instrumentos de ajuste fino. Seu poder, porém, é supervalorizado no debate brasileiro. Resquício de nossas crenças ancestrais em soluções mágicas como os planos mirabolantes, os congelamentos e os tabelamentos de preço. VEJA traz um estudo exclusivo feito pela consultoria McKinsey, uma das maiores e mais prestigiadas empresas do ramo no mundo, que ajuda a enxergar a realidade da economia brasileira além dos juros e do câmbio. Por meio de análises e entrevistas com executivos distribuídos em seis setores significativos da economia, a consultoria mapeou cinco barreiras ao crescimento que podem ser removidas com um certo grau de comprometimento da sociedade. O estudo é preciso a ponto de atribuir a cada um dos entraves um valor específico, uma espécie de "coeficiente de arrasto" que se opõe ao avanço da economia brasileira. A pesquisa mostra como o Brasil perdeu terreno na última década, mas traz uma constatação animadora: 65% dessa muralha anticrescimento pode ser demolida com ações pontuais, executadas pelo poder público. Sem esses entraves, o PIB brasileiro poderia triplicar. "O que se conclui é que novos avanços na qualidade de vida dos brasileiros dependem dos próprios brasileiros", diz Heinz-Peter Elstrodt, responsável pela McKinsey na região do Mercosul.
O estudo vem em boa hora. O padrão de vida dos brasileiros avança timidamente, enquanto boa parte do mundo corre em direção ao desenvolvimento. Entre 1995 e 2004, o PIB per capita (total produzido pela economia dividido pelo número de habitantes) cresceu apenas 1,5% em média. No mesmo período, a renda aumentou 2,3% ao ano nos EUA, 3,7% na Coréia do Sul, 4,1% na Índia e 7,6% na China. Como resultado, a renda brasileira, que era 23% da americana em 1995, hoje representa apenas 21%. A McKinsey explica esse desempenho medíocre pelo baixo crescimento da produtividade nesse período, que avançou apenas 0,3% ao ano em média. Há dez anos, a máquina econômica brasileira produzia 23% do que produzia a máquina americana. Hoje a produtividade do Brasil equivale a 18% da americana. Nas próxima páginas, VEJA mostra quais são as barreiras ao aumento da produtividade, indica quais os setores que elas afetam e dá exemplos de como outros países encontraram soluções para esses mesmos problemas e conseguiram elevar o padrão de vida de seus habitantes. Como se verá, a questão do aumento da produtividade é o motor do progresso não inflacionário, modernizador e distribuidor de renda. Só reclamar dos níveis dos juros e do câmbio não aumenta a produtividade.
Especial
Informalidade
O QUE É
Sonegação, pirataria, desrespeito a regras ambientais e violações dos direitos do consumidor
QUEM PERDE MAIS
Os supermercados e a construção
IMPACTO
Reduz a arrecadação do governo, derruba o lucro e aumenta os impostos de quem anda na legalidade, além de desestimular o investimento em tecnologia de ponta
COMO SUPERAR
Simplificar os tributos, ampliar a fiscalização e fazer valer as penalidades. As distorções atuais propiciam aos ilegais lucros três vezes maiores
A principal barreira para o crescimento do país é a informalidade. Leia-se: ilegalidade consentida. Representa 28% do total de entraves ao desenvolvimento. Esse valor sobe para 43% quando se consideram apenas as barreiras que podem ser derrubadas – tirando do cálculo a inamovível herança ibero-africana-católica, em outras palavras o estágio atual de atraso da civilização brasileira. O conceito de informalidade adotado pela McKinsey não se resume à economia paralela, movida por multidões de camelôs. É mais amplo. Alcança distorções que comprometem a concorrência entre empresas, como a sonegação de impostos, o descumprimento de obrigações legais de toda ordem e, em especial, o descaso pelo direito de propriedade intelectual. São inúmeros os prejuízos provocados pela ação dos que agem ilegalmente. Uma conseqüência, porém, é vital mas de difícil observação a olho nu: o incentivo à ineficiência e à falta de competitividade. "Ao conviver com a informalidade, o país todo se prejudica, pois perde capacidade produtiva", diz Martha Laboissière, que coordenou o estudo da McKinsey. Os informais também não investem em máquinas e equipamentos. Não inovam. Copiam. Evitam ainda parceiros legais, não se credenciam a receber investimentos ou crédito e isso os empurra cada vez mais fundo para os subterrâneos.
O lado bom de tudo isso é que a informalidade pode ser combatida e vencida. A Espanha é um exemplo. O governo espanhol ampliou em 75% a arrecadação de impostos das pequenas e médias empresas. O ano da virada foi 1994. Desde então, a taxa de emprego aumentou 33% e o desemprego caiu mais de 50%. A primeira ação: atualizar o banco de dados dos contribuintes e integrar todos os sistemas de informática do governo. Criou-se um sistema de tributação simples para as micros e pequenas empresas, com base em indicadores específicos para cada setor. Outra medida crucial: acabar com a sensação de impunidade e aceitabilidade social dos informais. Um bom começo é chamá-los pelo devido nome: ladrões.
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