Desembargador vê "disídia no trato da coisa pública" em causa de R$ 153 milhões
26/11/2007
Uma dívida fiscal cobrada - talvez tardiamente - pelo Estado do Rio Grande do Sul, somente seis anos e dois meses depois do lançamento do débito tributário, ensejou, anteontem, uma manifestação contundente do desembargador Carlos Roberto Caníbal, da 1ª Câmara Cível do TJRS: uma ou mais pessoas "praticaram ato de legítima, genuína e insofismável improbidade administrativa, por causarem lesão ao erário, via ação ou omissão". A crítica candente - com pedido de providências ao Ministério Público Estadual - foi feita em voto na apelação do Estado contra a sentença que decretou a prescrição da cobrança de dívida de ICMS da Industrial e Comercial Brasileira S/A - Incobrasa.
Na data do ajuizamento da ação, em 3 de fevereiro de 2003, o valor era de R$ 74.439.444,28. Cálculo feito pelo Espaço Vital revela que o valor atualizado em cobrança, pelo Estado, chega a exatos R$ 153.980.417,07. Se a tese da prescrição for confirmada, esse dinheiro escoará como se tivesse sido descarregado em esgoto irrecuperável.
A devedora - que não teria sido cobrada dentro do prazo legal - Incobrasa é uma empresa controlada pelo empresário Renato Bastos Ribeiro, ex-dono do Correio do Povo, Rádio Guaíba e TV Guaíba. Seus grandes negócios estão, atualmente, no Estado de Illinois (EUA). Na época em que foi ajuizada a ação, a Incobrasa tinha sede em Canoas (RS), posteriormente transferida para Porto Alegre. Curiosamente, além da demora no ajuizamento da execução fiscal, localização da empresa foi demorada, ocorrendo somente em 21 de junho de 2006 - isto é, exatos três anos, quatro anos e 18 dias depois do ajuizamento. O crédito do Estado fora constituído em 1 de novembro de 1996.
A prescrição - suscitada pela empresa, em exceção de pré-executividade, foi reconhecida pela juíza Giovana Farenzena, da comarca de Canoas, onde tramitou a ação porque, ali, inicialmente, era a sede da Incobrasa. O caso está, agora, empatado no TJRS em 1 x 1.
O desembargador Irineu Mariani reformou a sentença, para afastar a prescrição, embora reconhecendo que "o procurador do Estado poderia ter sido mais diligente, com mais empenho, inclusive porque se tratava de execução com valor absolutamente diferenciado". Mariani fundamentou com a aplicação da Súmula nº 106 do STJ: "proposta a execução no prazo fixado para o seu exercício, a demora na citação, por motivos inerentes ao mecanismo da Justiça, não justifica o acolhimento da argüição de prescrição ou decadência".
Ao fulminar a execução do Estado, a juíza Farenzena havia fixado honorários de ínfimos R$ 700,00 aos advogados Adroaldo Furtado Fabrício (ex-presidente do TJRS) Eduardo Brock, Valtencir Marcos Miotto e Edmar Luiz de Oliveira Fabricio que atuam em nome da Incobrasa. O voto de Caníbal que, na essência, confirma a sentença, ressalva, porém, que aquele valor "é absolutamente incompatível não só com a dignidade do mister, como não remunera dignamente os profissionais". A honorária deferida foi de 1% sobre o valor corrigido da causa (R$ 74.439.444,28), mas sem a incidência de juros. A sucumbência significa a apreciável remuneração de R$ 744 mil.
O julgamento no TJ gaúcho deverá prosseguir no dia 5 de dezembro, com o voto faltante do desembargador Luiz Felipe Silveira Difini, que pediu vista. Regimentalmente, até a proclamação do resultado final, poderá haver modificações nos votos já proferidos. Reconhecida, ou não, a prescrição, ainda assim terá ficado evidente a demora do Estado em cobrar, judicialmente, tão expressivo valor. (Proc. nº 70019969229)
Voto afirma que há incúria e
"algo mais por trás"
O desembargador Carlos Roberto Caníbal recheou seu voto - que reconheceu prescrita a dívida de R$ 153 milhões - com críticas candentes à gestão fazendária, à ação de integrantes (não nominados) da Procuradoria e ao Estado, como ente, em períodos que vão de 1996 até 2003 (gestões de Antonio Britto-Vicente Bogo e Olivio Dutra-Miguel Rossetto).
O agir do Estado, na tentativa de cobrar, teria sido efetivo apenas a partir de fevereiro de 2003 (segundo mês do governo Germano Rigotto-Antonio Hohlfeldt). Para a atual administração (Yeda Crusius - Paulo Afonso Feijó) sobraram críticas pontuais em função das restrições ao orçamento do Judiciário.
Leia trechos do voto
Forças ocultas?
"Este processo é um exemplo de como se tratam o contribuinte e as coisas públicas neste Estado. Modo absolutamente descomprometido com uma prática séria, sem observância das disposições legais que regram a espécie. Escapa-me o que mais há por trás de tamanha incúria, mas tenho certeza que há".
Desrespeito à lei
"Destaco que o valor atualizado (mais de R$ 153 milhões) é muito, muito mais que o dobro da cifra pela qual o Poder Executivo vem discutindo com o Judiciário para fins de orçamento. Talvez o Executivo não se dê conta de que sem dinheiro talvez não hajam juízes preparados para impor limites àqueles que desrespeitam a lei e prejudicam o cidadão, modo conseqüencial".
Opinião
"A meu ver, o Estado deveria dedicar-se no mínimo com uma atenção maior a processos como este de que se está a tratar, e não aos expedientes e recursos muitas vezes protelatórios que abarrotam o Judiciário, como costuma ocorrer e que não levam a um resultado prático".
Improbidade
"Parece-me, no mínimo, ato de improbidade administrativa o agir do administrador com tamanha parcimônia e incúria com a coisa pública, senão irresponsabilidade total com o contribuinte, com o cidadão, com o eleitor e tentando enganar - a todos eles - com um discurso simplista, que se limita a destacar exclusivamente necessidade de caixa: receita x despesa".
Atenção Ministério Público!
"Proponho vista dos autos ao órgão do Ministério Público para que adote as medidas legais que a espécie reclama contra os que praticaram, no mínimo, ato de legítima, genuína e insofismável, improbidade administrativa por causarem lesão ao erário, via ação ou omissão ensejadora de perda patrimonial de bens e haveres do Estado do Rio Grande do Sul. Por isso encaminhem-se cópias de todas as peças destes autos ao Sr. Procurador-Geral de Justiça deste Estado".
Fonte: Jornal do Comércio
Data:23-11-07
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