Estado precisa acordar para a competitividade, defende Feijó
31/03/2008
Duas qualidades ficaram claras nos primeiros dias de Paulo Afonso Girardi Feijó (DEM) no comando do Palácio Piratini: a pontualidade e a abertura para o diálogo. "É uma questão de planejamento. Procuro cumprir os compromissos e não agendar além da capacidade de atender", explica o governador em exercício. Feijó comanda os gaúchos por, pelo menos, 16 dias, período que a governadora Yeda Crusius está em viagem ao exterior. A negociação para que o integrante do partido Democratas assumisse o governo do Estado foi cuidadosamente preparada nos últimos meses.
Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, concedida na quinta-feira, no gabinete do governador no Palácio Piratini, Feijó conta como foi sua reaproximação com a governadora e analisa um possível ingresso do DEM na base aliada. O ex-presidente da Federasul fala, ainda, sobre o seu aprendizado político. Questionado sobre qual seria sua principal marca na breve passagem pelo comando do Executivo gaúcho, o vice de Yeda respondeu apenas que pretendia corresponder às expectativas da governadora. O fato não impede Feijó de expressar opiniões sobre as medidas que o Estado deveria adotar. O político, formado no meio empresarial, defende que o Rio Grande do Sul precisa acordar para a competitividade e para um novo olhar, em que a sociedade deve ser tratada como um cliente.
Jornal do Comércio - Após o retorno da governadora, o senhor pretende estar mais presente no governo? Acredita em uma rediscussão sobre seu papel?
Paulo Feijó - Possivelmente. Ou, no mínimo, estarei à disposição para convocações e participações nas reuniões. Para entender os processos e projetos, em apenas um dia, visitei o presidente do Tribunal de Justiça, fui à Assembléia Legislativa, na Secretaria de Desenvolvimento e Assuntos Internacionais, na Secretaria de Justiça, na Secretaria de Infra-estrutura. Também tenho diversas agendas no centro administrativo. São visitas imprescindíveis, mesmo que a minha maior preocupação seja a questão da competitividade. O Rio Grande do Sul tem que acordar para essa estratégia mundial de qualquer país ou estado que queira prosperar mais do que os outros. Perdemos muito em competitividade, em investimento, em empresas que toda a semana noticiam que estão deixando de produzir no Rio Grande do Sul, o que significa menos emprego, riqueza e arrecadação. Ninguém no mundo está disposto a pagar mais pelo preço de um produto, somente por ter sido fabricado aqui. Seja uma caneta, um livro, um bloco de rascunho, um laptop, um relógio, um terno ou um cinto. Ninguém quer pagar mais, logo o Estado tem perdido diversas oportunidades há muitos anos. Temos que estar atentos aos motivos que causaram isso. Para mim, a principal razão é a carência em competitividade.
JC - A governadora negocia empréstimo com o Bird, que foi aprovado na Assembléia, e, recentemente, foi anunciado o pagamento em dia do funcionalismo. O governo está atuando de maneira a se tornar uma "fábrica de boas notícias"?
Feijó - Tenho a convicção de que potencial, inteligência, empreendedorismo, mão-de-obra qualificada e posição geográfica estratégica nós temos. Tornar-se fábrica de boas notícias vai depender de se fazer ou não um bom governo. O Rio Grande do Sul tem potencial para só gerar boas notícias, basta errarmos o mínimo e procurar acertar o máximo.
JC - Foi acertada a estratégia de colocar Cézar Busatto na Casa Civil e criar a Secrataria-Geral de Governo para melhorar a comunicação interna?
Feijó - Não vou analisar. Estou interinamente no governo. O governo é da governadora. A equipe e a estrutura foram montadas por ela. Respeito e procuro tirar o máximo de rendimento e produtividade da equipe que temos. Se eu fosse o governador, haveria uma estrutura diferente. A organização seria menor, com menos secretarias, menos cargos de confiança. É um contexto que certamente trarei à pauta.
JC - Na visita do deputado Onyx Lorenzoni ao Palácio, ele apresentou um projeto de redução nos cargos de confiança (CCs). O senhor pretende encaminhar o tema para a governadora?
Feijó - Temos que construir daqui para frente a nova relação e ajudar a fortalecer a proposta com a procura contínua de melhorias. A sugestão dos Democratas é exatamente assim, focando o menor custo para a sociedade, a maior produtividade e o melhor resultado. Está na hora de os governos olharem a sociedade como seu cliente. Poucos governos, pelo menos na América Latina, enxergam os cidadãos como clientes. Os governos se apropriam de grande parte da produção, do salário dos trabalhadores, ao mesmo tempo em que trazem pouquíssimos serviços satisfatórios para a sociedade. Governo nenhum gera riqueza. Na realidade, ele se apropria de parte da riqueza gerada pela cadeia produtiva.
JC - A participação do DEM nos encontros com a base aliada e na reunião do Conselho Político é um sinal de que o partido pode reingressar no governo?
Feijó - Não é prioridade do Democratas obter cargos ou secretaria. Queremos participar e colaborar como sempre. Claro que se pode construir mais abertura no decorrer do governo.
JC - O partido pode participar do Conselho Político?
Feijó - Isso tem que ser analisado no partido. Não é uma decisão do vice-governador. O Onyx usou um termo interessante: disse que os Democratas estavam casados, se separaram, e agora têm que começar a namorar, para noivar, e depois casar novamente. Ele estava falando sobre uma separação que ocorreu de forma não-esperada. Também não se pode esperar que amanhã estejamos todos juntos. Motivo pelo qual os Democratas participam do governo não para ter cargos, nem secretarias, mas para poder de fato contribuir nas estratégias, no plano de ação, na visão de longo prazo. Sem necessidade de ter colocações, apenas com voz ativa na construção.
JC - Como foi a costura política para que o senhor assumisse o governo?
Feijó - Nunca me considerei afastado do governo e da governadora. Ocorreram algumas questões pontuais entre os Democratas e o Executivo, ligadas unicamente ao aumento de impostos. Antes de assumirmos, já existia uma intenção de aumento pelo governo eleito, o que aconteceu após a eleição. Embora seja um assunto do passado, ressalto que discordávamos neste ponto, porque em todos os demais projetos encaminhados pelo Executivo para a Assembléia, os Democratas votavam favoravelmente. Era uma discordância pontual.
JC - E a sua reaproximação com o Executivo?
Feijó - Freqüentemente convidavam-me para participar de reuniões. Sempre compareci e participei. Todavia houve um afastamento ou o intuito de que eu não participasse mais. Não sendo convidado, acabei deixando de compartilhar as ações do governo. Quando fui chamado pela governadora na busca de diálogo e reaproximação em relação ao DEM, ou a mim, me mantive disponível. Durante o ano todo, apesar do tempo de afastamento, não deixei de me reunir e conversar diversas vezes com os secretários Aod Cunha e Fernando Záchia. Há dois meses, houve uma oportunidade de encontro entre Aod e eu, em que pela primeira vez o secretário falou na intenção de reaproximação. Nesse mesmo dia, o deputado federal Cláudio Diaz (PSDB) marcou uma reunião com o deputado Onyx Lorenzoni em Florianópolis, na qual vieram com a mesma idéia de aproximação. Depois disso, o Executivo marcou a reunião comigo no Palácio Piratini, amplamente divulgada pela imprensa, onde propuseram que começássemos a participar do Conselho Político, além de compartilhar do governo com secretaria e cargos. Afirmamos que não era vontade do Democratas, pois para estarmos ao lado do governo não queremos secretarias e cargos, somente contribuir, participar e esquecer o ano que passou. Saí de férias por 15 dias e no retorno a governadora me comunicou a vontade de viajar. De tal modo, houve a transição natural, tranqüila, objetiva e transparente para o cargo.
JC - O novo rumo na gestão do governo é um dos motivos para a sua reaproximação?
Feijó - Aprendemos diariamente. Aprendi no primeiro ano de governo e tenho certeza de que também a governadora e todos que compõem a base aprenderam. Por isso, estamos agregados e com condição de gerar valor ao governo, maior diálogo e abertura com os demais poderes. Estamos unidos. É um governo de visão mais estratégica e mais competitiva, a fim de atrair novos investimentos.
JC - E a posição de que 2008 não será ano para debater aumento de imposto, contribuiu para o DEM repensar a relação com o governo?
Feijó - Claro que sim. Foi fundamental. E foi proposto pelo secretário Aod esta pauta de esquecer a possibilidade de aumento de impostos. Até porque ele deve sinalizar o aumento de arrecadação sem o aumento de impostos, fato que está se concretizando. O Executivo já anunciou a retomada do pagamento em dia da folha. Essas notícias vão ao encontro daquilo que defendemos, a crença de que não aumentando impostos, a economia cresce mais e por conseqüência a arrecadação.
JC - Como está sua agenda de governador? Mudou muito em relação à rotina de vice?
Feijó - Estou realizando o que a governadora pré-agendou. E adicionando na agenda, por exemplo, visita à Casa Militar, à Casa Civil e às outras secretarias. Em vez de chamar os secretários, vou às secretarias. Não só para conhecê-los, mas também para conhecer a estrutura, equipe, organograma, operação física. Isso para entender melhor o funcionamento. Aproveito o período para esse tipo de conhecimento. Da mesma forma, faço isso com relação à Assembléia, onde meu objetivo é encontrar mais aproximação, diálogo, transparência e demonstrar que o governo pode e deve dialogar amplamente com os deputados. Sem deixar de empregar as estruturas e os técnicos já existentes, podemos apontar soluções de médio e longo prazo para o Estado. Um exemplo é a aprovação, por unanimidade, do projeto que autoriza o empréstimo com o Bird, em que houve um grande trabalho técnico do secretário Aod, mostrando o quanto é importante a operação para o governo, e mais ainda para o Estado e os próximos governos. A interação com os deputados é fundamental, portanto, fiz questão de estar na reunião com os líderes. Pela primeira vez o DEM e o PDT participaram. Nesta semana, convidarei os deputados para almoçar no Palácio Piratini.
JC - Líderes de bancada na Assembléia comentaram que foi a primeira vez que um chefe do Executivo participou de toda reunião. A idéia foi sua ou de Busatto?
Feijó - Foi uma iniciativa minha, para interagir mais. A proposição de Busatto foi que eu coordenasse a reunião do Conselho Político. Disse que preferia ir à Assembléia. Queria visitar as bancadas, estivessem elas em situações de oposição ou não. Como eu iria até as bancadas, o secretário sugeriu que poderia comparecer também à reunião. Mas minha intenção primordial era mesmo visitar as bancadas.
JC - A visita de um governador à reunião de líderes da Assembléia, pela primeira vez, pesou na aprovação do empréstimo do Bird?
Feijó - Ajudei nesta construção, mas não fui o responsável. É uma conseqüência da nova agenda de 2008, da proposta dos secretários Aod Cunha e Cézar Busatto. Quem sabe eu tenha agregado algo ou ajudado com um tijolinho desta construção.
JC - O senhor já afirmou que não sabe nada de política. O que aprendeu neste período como governador?
Feijó - Onde menos posso contribuir é no tema político, porque estou neste campo apenas há um ano. Aprendo a cada dia, tenho humildade de querer ouvir, conversar, receber críticas ou sugestões. Trabalho desta maneira com minha equipe, com o grupo da minha empresa, com as empresas e associações com quem atuava. Estou imprimindo o mesmo modelo e ritmo que sempre operei.
JC - Qual será a marca desse período no governo?
Feijó - Não pretendo deixar marca. Desejo no final desse período ter correspondido à expectativa da governadora. Nada mais do que isso. Com o retorno da governadora, posso continuar contribuindo, se ela entender necessário. Há intenção de continuar participando e ocupando mais espaços no governo.
JC - A pontualidade e a abertura para o díalogo são destacadas como marcas de sua gestão no governo. Essa postura vem de sua experiência na iniciativa privada?
Feijó - Sim. Faz parte tanto da minha vida pessoal, particular, profissional. A agenda é uma questão de planejamento e a pontualidade é conseqüência disso. Me considero organizado, procuro cumprir os compromissos e não agendar além da capacidade de atender.
JC - Qual sua experiência mais importante no governo?
Feijó - A reafirmação de uma antiga convicção: a de que precisamos de um Estado com maior eficiência, e que seja menos oneroso para quem produz, trabalha, ganha salário, consome e vive aqui.
JC - Sua aproximação com o governo garante o entendimento com o presidente do Banrisul?
Feijó - Disse à governadora que esta questão é superada. Como vice-governador e homem público, recebi denúncias e tive a obrigação de tomar providências. Encaminhei aos Ministérios Públicos estadual, federal e especial, e ao Tribunal de Contas. Estão investigando se há algum fundamento nas denúncias. Como gestor público do Executivo, fiz o que deveria ser feito. Se a forma não foi adequada, não posso avaliar. Espero a resposta desses órgãos que estão investigando. O tempo dirá certamente.
JC - A governadora disse que a CPI do Detran quer atacar o gabinete do governo e a figura da governadora. Qual o efeito da comissão para o Executivo?
Feijó - O secretário Paulo Fona é mais indicado a esclarecer. Entendo que devemos apoiar qualquer trabalho que procure melhores esclarecimentos, mais ainda em se tratando de denúncias relativas ao dinheiro público. Mas não devo opinar, o assunto é específico do Poder Legislativo, que deve ter liberdade total no que está fazendo, além de responsabilidade.
Fonte: Jornal do Comércio
|
|