Para Da Camino, governo deveria fortalecer a Cage
14/07/2008
Ao receber o convite para o lançamento da Carta Compromisso, o procurador-geral do Ministério Público de Contas (MPC), Geraldo da Camino, fez duas sugestões ao governo: o fortalecimento da Cage (Contadoria e Auditoria-geral do Estado) e da Delegacia Fazendária da Polícia Civil. "São medidas de baixíssimo impacto no orçamento do Estado e que representariam um importante acréscimo na função de controle", aponta.
Para Da Camino, a crise institucional no Rio Grande do Sul pode ser produtiva, se a resposta do Estado for adequada. Nesse sentido, ele destaca o fortalecimento e a integração dos órgãos de controle como iniciativas importantes. Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, o procurador-geral também analisa a crise no Tribunal de Contas do Estado. Na sexta-feira passada, ele emitiu parecer sugerindo o indiciamento e o afastamento do presidente do TCE, João Luiz Vargas, por possível envolvimento na fraude do Detran.
Jornal do Comércio - O governo do Estado vai anunciar medidas de combate à corrupção através da Carta Compromisso. Já se informou que há a intenção de promover a integração entre os órgãos de controle do Estado. Qual sua avaliação?
Geraldo da Camino - Quaisquer medidas de combate à corrupção e de integração entre os órgãos de controle são bem-vindas. O Ministério Público de Contas tem destacado nos seus pareceres em relação às contas do governo do Estado a importância de fortalecer a Cage, que é um órgão pequeno e está com seu quadro desfalcado. A reposição de seus servidores e o acréscimo nesse quadro seria de pouco impacto no orçamento do Estado e de extrema valia no controle da execução orçamentária.
JC - Seria a principal medida, na sua avaliação?
Da Camino - Na minha opinião, esta seria a principal medida que o governo poderia tomar: fortalecer a Cage.
JC - Desde 1997, a Cage não audita Banrisul, Corsan e CEEE.
Da Camino - Destacamos isso em todos os pareceres dos órgãos da administração indireta: a necessidade de que a Cage se pronuncie (a respeito dessas instituições).
JC - Banrisul, Corsan e CEEE alegam que recebem outras auditorias.
Da Camino - O foco dessas auditorias é completamente diverso. Elas não se debruçam sob os atos de gestão. A análise e a fiscalização sobre atos de gestão deve se dar através de controle interno, Cage, e de controle externo, TCE.
JC - Assim como a Cage, Brigada Militar, Polícia Civil e diversos órgãos também sofrem com falta de pessoal. Como resolver esse problema se não há recursos?
Da Camino - A abordagem deve se dar por custo-benefício. Repor o efetivo da Brigada, estamos falando em 10 mil policiais. Na Polícia Civil, estamos falando em 7 mil, 8 mil policiais. São medidas de grande impacto orçamentário. Repor o efetivo da Cage, estamos falando de 15, 20 servidores, um baixo impacto orçamentário e um grande retorno na função de controle. A Delegacia Fazendária da Polícia Civil possui dois delegados. Acrescer dois delegados significa um pequeno impacto. Colocar seis ou sete escrivães ou inspetores de polícia, também é um impacto pequeno. No entanto, esta é a delegacia encarregada de combater a corrupção em todo o estado do Rio Grande do Sul. Então, há um retorno efetivo, com baixo investimento.
JC - E no Ministério Público de Contas, que tem uma equipe reduzida?
Da Camino - São quatro cargos. Estamos com o concurso público em andamento, acredito que em novembro entrarão os outros três colegas, completando o quadro. No momento, o procurador em atividade sou eu. Mas, temos uma equipe de apoio. O Tribunal de Contas coloca servidores à disposição e fornece os meios materiais. Há um plano de encaminhar, no momento oportuno, um projeto à Assembléia, criando um quadro específico de servidores para a instituição. A idéia é ter autonomia, porque o MPC não pode depender da boa vontade do Tribunal para o seu funcionamento. Estamos trabalhando sob forte demanda e é um processo contínuo, quanto mais se trabalha, mais visibilidade e legitimidade perante a sociedade se tem e, portanto, mais se é demandado por novas denúncias.
JC - O que poderia ser feito com o aumento do quadro?
Da Camino - O aumento de pessoal permitiria uma atividade de planejamento com foco na integração. E avanço nas atividades rotineiras. Não trabalhamos apenas em relação a denúncias, temos as prestações de contas encaminhadas ao Tribunal de todos os 496 municípios do Estado, Legislativo e Executivo, de toda a administração direta e indireta estadual. São mais de 2 mil pareceres por anos. Então, há necessidade de estruturar o quadro e de planejar uma ação integrada.
JC - O senhor assumiu o Ministério Público de Contas há dois meses e meio...
Da Camino - Esse período coincidiu com a crise institucional do Estado e com a crise interna do Tribunal de Contas. A crise do Estado surgiu a partir da operação Rodin, que mexeu com as estruturas do Rio Grande do Sul. Tenho dito que talvez seja o momento político mais conturbado do Estado desde a Legalidade. A operação Rodin, por sua vez, contou com o Ministério Público de Contas, que foi o primeiro órgão a investigar a relação do Detran com as fundações.
JC - Como surgiu a investigação?
Da Camino - A partir de uma denúncia do delegado Luiz Fernando Tubino, no início do ano passado. Em 9 de março de 2007, encaminhamos ofício à presidência do Detran pedindo toda documentação da contratação da Fatec (Fundação de Apoio à Tecnologia e à Ciência).
JC - Foi o que desencadeou a operação Rodin?
Da Camino - Em paralelo, o Ministério Público Federal, também começou a investigar. O procurador da República solicitou informações para o Detran. Quando a documentação foi encaminhada, já havia o nosso ofício do Ministério Público de Contas também solicitando aquela documentação. Então, o procurador da República fez contato comigo e, a partir dali, no final de maio de 2007, começamos a trabalhar em conjunto e, já em junho, integrados com Polícia Federal, Receita Federal, com o apoio do Ministério Público do Estado, numa força-tarefa que foi informalmente constituída. As pessoas começaram a compartilhar informações, trocar idéias, redundando na Operação Rodin.
JC - No mês passado, o procurador-geral de Justiça do Estado, Mauro Renner, anunciou a criação de uma força-tarefa para investigar órgãos da administração do Estado. Como está o trabalho? Foram priorizados alguns processos?
Da Camino - Tenho dito que integração é um caminho sem volta. Como a força-tarefa foi instituída a partir da divulgação da conversa entre o vice-governador e o ex-chefe da Casa Civil, o foco foi estabelecido sob os quatro órgãos referidos: Banrisul, Daer, Detran, CEEE. Em um levantamento inicial, o Ministério Público elencou 31 expedientes, com investigações já em andamento relativas a esses órgãos. No segundo momento, foram definidos oito como prioritários, três no Banrisul, dois no Detran, dois no Daer e um na CEEE.
JC - Qual o foco desses processos?
Da Camino - No Banrisul, a Faurgs obviamente é uma prioridade. Temos uma inspeção extraordinária que foi feita pelo Tribunal de Contas, o relatório foi concluído - é extenso, detalhado, o gestor prestou esclarecimentos, também há um grande volume de documentos. A análise está sendo concluída e acredito que nesta semana venha ao MPC para parecer. Em relação ao Detran, o caso mais divulgado é o da Fenaseg. Dos demais, aguardemos o andamento.
JC - E a representação do PT, de aprofundar a investigação da CPI do Detran?
Da Camino - Os dois focos principais são a aquisição da casa da governadora e a questão relativa ao presidente do TCE.
JC - A crise política do Estado terá fim com o encerramento da CPI do Detran?
Da Camino - Esse é um momento de respostas à crise. A crise é fecunda. É um momento de semear e de avançar. Momento de reflexão sobre as estruturas, formas de controle. E também o momento de consolidação institucional e da República.
JC - Nesse momento até o presidente do Tribunal de Contas, João Luiz Vargas, está sob suspeita.
Da Camino - Há uma sessão marcada para o plenário julgar acerca da instauração ou não de processo contra o presidente.
JC - Há uma série de denúncias contra o Tribunal.
Da Camino - As denúncias do conselheiro substituto Aderbal Amorim foram, no primeiro momento, colocadas numa sessão do próprio Tribunal, há um mês. E, naquele mesmo dia, determinei a instauração de um expediente no MPC para apurá-las. A análise ainda está em andamento, mas duas medidas já foram tomadas. Encaminhei um memorando tratando do nepotismo e uma representação sobre o uso indevido de CCs. Existe a necessidade de definir nepotismo claramente, já que a Constituição do Rio Grande do Sul aponta o segundo grau de parentesco como nepotismo, e a configuração do CNJ e do CNMP consideram até o terceiro grau como nepotismo. Há como deixar clara a posição do Tribunal que deve compreender inclusive o nepotismo cruzado e adotar esse entendimento com política fiscalizatória. A outra medida foi em relação ao uso indevido de CCs. Temos 12 expedientes no MPC, um deles a partir de denúncia de uma servidora do próprio Tribunal e outra de uma comissão de candidatos que realizaram concursos para oficial de controle externo, cargo de nível médio do TCE e que aguarda nomeação há um ano e meio. Fruto desses expedientes, lançamos uma representação apontando o excessivo número de CCs ou a necessidade de se refletir sobre se é excessivo esse número de CCs, já que 13% do quadro do Tribunal é composto por cargos comissionados. E se propõe, então, que se constitua um grupo de trabalho para definir o que seja assessoramento. Esta é uma medida de extrema importância e é uma questão que há décadas está por ser enfrentada no Rio Grande do Sul.
JC - Tem também a questão do uso indevido de diárias.
Da Camino - Todas as demais questões: uso indevido de diárias, uso indevido de veículos, uso indevido de espaço público para instituições privadas continuam em análise no MPC e terão o devido tratamento no momento que essa análise for concluída. Vou solicitar à Comissão de Finanças da Assembléia Legislativa cópia da degravação dos debates havidos na sessão de quinta-feira. De qualquer forma, o conselheiro Amorim encaminhou informalmente os documentos que levou à Comissão. Todas as medidas serão tomadas no tempo certo.
JC - E a questão das revisões das decisões do pleno?
Da Camino - De fato, o abuso, o excesso de pedidos de revisão tem sido uma preocupação do MPC há muito tempo, tendo dezenas de pareceres em que apontamos o desvirtuamento do instituto do pedido de revisão.
JC - Como fica o discurso de que no Rio Grande do Sul não há tanta corrupção quanto nos outros estados?
Da Camino - O mito caiu. Corrupção é inerente ao ser humano. As maneiras de combatê-la vão desde medidas educativas, culturais até, principalmente, fiscalização efetiva.
JC - Mas havia corrupção e não se detectava?
Da Camino - Acredito que sempre tenha havido. Os órgãos fortalecidos e a imprensa vigilante são os motivos para a divulgação da corrupção.
JC - Essas práticas tendem a diminuir no Estado?
Da Camino - Certamente. Por exemplo, tenho dito que por vezes as fundações de apoio se transformam, ao invés de apoio para universidade, em fundações apoiadas na universidade. Essa licenciosidade, na contratação sem licitação, acredito que tenha acabado.
JC - Usa-se o argumento de que não se coloca em dúvida uma instituição como a universidade federal.
Da Camino - Só que, primeiro, não era respeitada a necessária pertinência entre o objeto contratado e a finalidade estatutária da instituição. Segundo, não havia composição de custos, planilha de valores ou comprovante à adequação com preço de mercado. E, terceiro, a subcontratação, que é absolutamente irregular. Já que a dispensa da licitação se dá em razão da pessoa jurídica diferenciada, não faz o menor sentido que seja repassada a terceiras. Isso é uma flagrante burla à licitação.
JC - Houve terceirização no caso do Banrisul em relação à Faurgs?
Da Camino - No caso do Banrisul o relatório ainda não foi analisado pelo MPC, mas as notícias que temos é de que também houve subcontratação e que inclusive essas deficiências foram objeto de um termo de ajustamento de conduta com o Ministério Público.
JC - E na Procergs?
Da Camino - Há uma denúncia dando conta de problema acerca de uma licitação passada e aponta uma mudança de plataforma tecnológica que estaria em desacordo com pareceres da área técnica da Procergs.
JC - O governo do Estado pretende publicar informações dos órgãos públicos na internet.
Da Camino - Todos os órgãos devem primar pela transparência. A publicidade é a regra e princípio constitucional. Inclusive, o conselheiro Cezar Miola, ex-procurador-geral do MPC, acaba de encaminhar à presidência do Tribunal um memorando propondo uma série de medidas no rumo da transparência. Todas as decisões do Tribunal devem estar disponibilizadas na internet de maneira clara, acessível, para que qualquer pessoal leiga possa ter conhecimento delas.
JC - O fato mais marcante nesse processo de exposição da corrupção no Estado foi a gravação do vice-governador. Qual sua opinião sobre o ato da gravação?
Da Camino - A avaliação ética não pode ser feita de forma isolada quanto ao fato em si da gravação. É preciso analisar que outros encontros houve antes, que situações e posturas se apresentaram para que o vice-governador se visse na necessidade de gravar a conversa. Concordo que, de fato, a divulgação de seu teor constitui-se em grande serviço prestado à coletividade.
Fonte: Jornal do Comércio
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