Os mercados funcionam, por Aod Cunha de Moraes Junior*
07/10/2008
A intensidade da atual crise financeira mundial deu popularidade a um conjunto de análises que identifica nesse momento a falência do bom funcionamento das economias de mercado. Seria a hora de responsabilizar a chamada especulação financeira desenfreada e proteger a economia real. Mas será verdade que o que acontece hoje seja a falência do funcionamento de sistemas de mercado, a separação entre a economia real e a economia financeira e a total incompetência de órgãos reguladores do sistema financeiro mundial? Para mim, a resposta é não, por mais que o senso comum nesse momento seja outro.
Nas últimas duas décadas, o mundo observou seu mais longo ciclo de crescimento desde a II Guerra Mundial. Esse ciclo de crescimento esteve ancorado num número cada vez maior de países que adotaram boas políticas para economias de mercado: melhor educação pública, governos mais eficientes, superávits orçamentários, redução da dívida pública, instituições reguladoras (como os bancos centrais) mais fortes e independentes de governos e a abertura da economia para o comércio exterior, entre outras. Quem fez mais isso, mais aproveitou este longo ciclo de prosperidade mundial. Quando terminar o ajustamento do mundo à atual grave crise, não há dúvida de que ainda teremos o mundo com um nível de renda e riqueza média muito superior ao que tínhamos há duas décadas. Mas o mais importante é saber que os países que terão melhores condições para voltar a crescer mais rapidamente serão justamente aqueles que praticarem melhor as mesmas políticas que fomentaram o crescimento econômico real nos últimos 20 anos.
A intensidade da crise atual apenas confirma a evidência histórica de que ciclos econômicos existem e que não há ciclo suficientemente forte de crescimento que não seja interrompido em algum momento, como não há desaceleração ou retração econômica que também não venha a ser revertida. Além disso, a atual crise confirma que o sistema financeiro mais cedo ou mais tarde reflete os fundamentos da chamada economia real. Ativos financeiros captam a expectativa de valorização futura de direitos atuais sobre propriedades reais, como ações de empresas ou hipotecas de imóveis. A valorização “excessiva” ou “especulativa” daqueles ativos só ocorre em determinado momento pelo elevado otimismo médio dos agentes econômicos com o funcionamento presente e futuro da economia real. Não há nada de separação entre a economia real e financeira nisso. Há um estado de ânimo momentâneo sobre a economia real que gera expectativas altamente favoráveis para uma grande valorização dos preços dos ativos. E será apenas a alteração daquele estado de ânimo dos agentes econômicos sobre o futuro da economia real que modificará aquela valorização “excessiva” ou “especulativa”.
A história mostra que instituições reguladoras, como bancos centrais ou o FMI, podem evitar essas valorizações ou as chamadas “bolhas” apenas se conseguirem influir sobre as expectativas futuras dos agentes econômicos sobre a economia real. Isso quase sempre só é possível com medidas que significam retração econômica numa economia que vem crescendo, o que quase sempre é fortemente rejeitado pelas sociedades. Ou então, como agora, quando a crise já se instalou. Aí, a “bolha” já foi furada pelo próprio mercado e o papel das instituições reguladoras, ao contrário de antes, é o de estimular a volta de expectativas otimistas o mais rápido possível. A lição de tudo isso é que mercados funcionam. Nem sempre como gostaríamos, mas funcionam exatamente como prevêem as tradicionais regras de demanda e oferta governadas pelas expectativas dos agentes econômicos.
*Secretário estadual da Fazenda
Fonte: Zero Hora
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