O déficit zero, a metafísica e a oposição, por Júlio Francisco
19/11/2008
Gregory Brunet *
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A operação aritmética 2 + 2 = 4 ou a identidade 1 = 1 existem desde antes da criação do mundo e permanecerá depois de sua destruição. Os números são, nesse sentido, símbolos do eterno e do imutável.
Mas isso parece não ocorrer quando se trata das vinculações e obrigações legais que emolduram o orçamento público e a interpretação que lhe dá nossa valente oposição. A Constituição Federal, a estadual e um conjunto de leis posteriores estabeleceram – sob as mais justas e corretas intenções – que a soma das despesas deve sempre ultrapassar a receita!
As vinculações e obrigações legais do Tesouro são superiores a 120% da Receita Corrente Líquida (a RCL é aquela receita de que o governo dispõe para seus gastos) para qualquer ano que se examine a partir de 2000. Somando-se os 35% da RLIT para a educação (art. 202 da CE e art. 212 CF), os 12% da RLIT para a saúde (art. 198, § 2º, II, e o art. 77 do ADCT da CF), 1,5% da RLIP para a ciência e tecnologia (art. 236, CE), 0,5% da RLIP para o Ensino Superior (art. 201, § 3º da CE), os 13% da RCL despendidos com a dívida e 18% da RCL para os demais poderes (valor efetivamente gasto) equivalem a 72% da RCL nos anos de 2000 e 2007.
Vejam que o Estado já empenhou 72% de suas receitas próprias e ainda resta pagar a despesa com pessoal da segurança pública, agricultura e os demais órgãos da administração pública, bem como os aposentados e pensionistas. Somadas essas despesas, a conta chega a 110% da RCL em 2002 e a 106% em 2007.
Observem, também, que sequer se apropriou as despesas com a manutenção da própria segurança e das demais secretarias. E, não menos importante, não se adicionaram os investimentos e a manutenção das rodovias estaduais. Gastos esses, todos hão de convir, necessários. Somadas essas despesas, o total alcança 128% da RCL em 2002 e 122% em 2007.
A proposta orçamentária e a própria execução orçamentária, nesse quadro institucional-legal, para ser equilibrada, sempre irá ferir algum dispositivo constitucional. Notem que se as receitas sobem, as despesas crescem na mesma proporção, pois são percentuais da receita! Assim, nenhum governo que esteve no Piratini conseguiu, a partir de 1999 – sem algum subterfúgio contábil – cumprir plenamente a legislação estabelecida e não gerar déficit.
Muitos legisladores, por demagogia, medo ou desconhecimento, não têm a necessária coragem para discutir o problema à luz da razão e encaminhar projeto de alteração das Constituições Federal e Estadual desvinculando o orçamento. No Congresso Federal, para piorar as coisas, há projeto do Executivo que: (i) amplia o conjunto das vinculações dos gastos em saúde; e (ii) impõe pisos salariais aos professores e polícia militar, ferindo de morte a autonomia federativa e a discricionariedade das despesas dos Estados.
Vários oposicionistas ao Piratini têm insistido em que déficit zero não existe, pois não se cumprem as vinculações. Mas, como demonstramos, é impossível cumprirem-se todas as obrigações legais sem recorrer a déficit, neste mundo, antes dele ou depois dele, pois a soma das despesas é maior que a das receitas!
A matemática, a razão e o bom senso há muito foram abandonados nesta discussão, pois para o conjunto das leis e obrigações do orçamento estadual 100 = 120 (cem é igual a 120).
* Economista
(Fonte: Zero Hora)
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