Sem ajuste, Estado estaria de joelhos, avalia Camarano
20/10/2008
O secretário-geral de Governo, Erik Camarano, é enfático ao avaliar o efeito que a crise econômica global terá sobre o Estado. Para ele, sem o ajuste fiscal, o Rio Grande do Sul estaria hoje de joelhos, desesperado atrás de dinheiro para pagar salários e outras contas. Mesmo assim, Camarano aponta que o Estado sofrerá impactos como o adiamento de investimentos já programados.
Nesta entrevista exclusiva ao Jornal do Comércio, o secretário-geral do governo Yeda fala de sua atribuição de articular as secretarias e os programas estruturantes, admite que a política de comunicação ainda precisa ser trabalhada e revela que Joabel Pereira deve ser confirmado como o executivo da área, na parte institucional.
Jornal do Comércio - Como a crise global afeta os planos do governo do Estado?
Erik Camarano - O crescimento econômico no ano que vem vai ser menor, temos que ver quanto isso vai nos afetar. A governadora fez uma reunião com um pequeno grupo de economistas, alguns secretários mais dois professores da Ufrgs para ter uma visão de fora, a fim de avaliar o impacto. Quando alguns ainda diziam que a crise não ia atingir o Brasil, já sabíamos que esse processo ia nos afetar. Mas a crise veio no momento em que estamos apresentando um orçamento equilibrado. Se estivéssemos com a mesma situação fiscal que o Rio Grande do Sul tinha no final de 2006, estaríamos de joelhos. Teríamos que correr em Brasília para pedir recursos para pagar a folha ou para cancelar o pagamento da dívida, não teríamos recursos para coisa básicas.
JC - Mas qual o tamanho do estrago?
Camarano - A gente não sabe ainda dimensionar o impacto no PIB, mas virá de várias formas, tem empresas que investiram aqui e talvez adiem os planos... Mas temos uma indicação forte de empresas grandes que têm compromisso com o Estado e que vão manter os investimentos - talvez o cronograma seja um pouco adiado, mas não há empresa que tenha cancelado projetos. Haverá sim impacto em torno de novos investimentos...
JC - A Votorantim, por exemplo, vai adiar a instalação de sua fábrica.
Camarano - O que é interessante no caso da Votarantim é que ela fez um comunicado sinalizando um compromisso com a base florestal, a compra de terra e as plantações continuam.
JC - E o R$ 1,250 bilhão de investimentos do governo para 2009, haverá cortes?
Camarano - Não sabemos, haverá impacto, mas não muito grande. Temos uma boa perspectiva, até porque somos conservadores na projeção para o ano que vem. A receita, neste ano, está crescendo mais do que o PIB, estamos investindo fortemente em novos mecanismos de combate à sonegação e a arrecadação tributária tem avançado muito. Claro que no ano que vem o desempenho da economia vai ser menor. A posição do governo é que ainda não é necessário rever os números do orçamento. O gerenciamento vai ser com base no caixa no ano que vem.
JC - Há mais de 200 emendas ao projeto do Orçamento de 2009 na Assembléia, a maioria propondo mais recursos para algum setor...
Camarano - Nesse momento de crise, é importante manter o compromisso com o equilíbrio orçamentário. Quando esse governo terminar, fica a cultura de gestão na máquina pública. Depois de 37 anos, estamos próximos de chegar a um orçamento equilibrado. É importante resistir a pressões para aumentar gastos. Alguns reajustes salariais, infelizmente, ainda não podemos dar. A governadora solicitou uma revisão dos quadros de carreira, para aumentar o valor de quem começa - há uma disparidade grande entre o primeiro nível e quem está se aposentando. Queremos fazer com que níveis iniciais de salários sejam mais dignos, só que não temos como em 2009.
JC - E os reajustes da Lei Britto serão mantidos?
Camarano - A Lei Britto está assegurada para 2009. O pagamento elimina uma distorção que já existia, casos de escolas em que dois professores com o mesmo tempo de carreira recebem salários diferentes, porque um entrou na justiça e outro não. Vamos eliminar essas distorções.
JC - A folha de pagamento pode voltar a ter atraso?
Camarano - Não. Conseguimos voltar a pagar a folha em dia, o compromisso do governo é manter isso. E trabalhamos para, no mínimo, diminuir nossa dependência do financiamento do Banrisul para o décimo terceiro, que tem sido pago desta maneira. Mas isso custa para o tesouro, tem que pagar juros.
JC - E a segunda parcela do empréstimo do Bird como fica?
Camarano - Na questão da flutuação do câmbio, temos que olhar onde vai parar o dólar, certamente não vai ficar em R$ 2,40. A expectativa é de que retroceda. E temos mecanismos de proteção. Se o dólar for a R$ 3,00 ou R$ 4,00, o contrato fica insustentável economicamente. Mas é possível fazer uma repactuação de taxa, porque o contrato fica economicamente desequilibrado. Essas flutuações temporárias certamente num prazo muito longo tendem a se equilibrar.
JC - E outros financiamentos, como o Pró-Guaíba? É possível reativá-los?
Camarano - Nossa capacidade de tomar dívidas é praticamente nenhuma. Temos que trabalhar com recursos próprios. Devemos fazer investimentos em 2009, manter o orçamento equilibrado e criar condições para voltar a tomar empréstimo de forma sustentável, em um horizonte de médio e longo prazo.
JC - E os fornecedores?
Camarano - Quando assumimos, o atraso médio era de treze meses. Tinha gente com pagamentos de novembro de 2005 em aberto. A dívida total era R$ 1,6 bilhão com fornecedores. Dizia-se que o Estado era mal pagador, mas agora em novembro vamos fechar em dia. Zera o atraso com fornecedores. É uma conquista. Estamos comprando medicamentos a um preço mais baixo, porque quem está vendendo sabe que o Estado vai pagar em dia, então dá para negociar.
JC - A oposição faz a crítica de que o orçamento não atinge o mínimo constitucional para educação, saúde...
Camarano - Certamente, não. Nunca atingiu. A crítica é cabível, mas tem que se olhar uma perspectiva de longo prazo. A população tem demandas urgentes, temos que dar respostas já e estamos fazendo isso. Mas é importante pensar que a reversão foi muito rápida. Só que precisa fechar a conta, o Estado tem que crescer 20% ao ano para conseguir fechar o déficit num prazo factível. Por isso que o ajuste fiscal tinha que ser um ajuste de choque, um processo radical, em dois anos fazer todo o processo, que envolve mudança de cultura, de mecanismos de gestão pública que estavam obsoletos.
JC - O Estado tinha um déficit de R$ 1 bilhão ao ano nos últimos 30 anos. Como ficou essa dívida?
Camarano - A dívida é superior a R$ 33 bilhões. Um pedaço dela ficou mais barato com o empréstimo do Banco Mundial, a troca de papéis teve esse efeito. Agora, tem que se manter o superávit anual no orçamento que ajuda a pagar essa dívida. A questão é pagar, fazendo ela cair para um nível mais razoável, que seria de uma vez e meia a duas vezes a receita corrente líquida do Estado. Hoje ela é mais de duas vezes essa receita.
JC - Antes de ser secretário-geral de Governo, o senhor atuava nas Câmaras Setoriais. Há uma relação entre as atividades?
Camarano - Tem total relação, a diferença é que a Secretaria-geral acumula ainda outras funções, a parte de comunicação de governo. Quando se criou a secretaria-geral, em janeiro deste ano, ela assumiu algumas atribuições administrativas da Casa Civil. E a antiga Secretaria Extraordinário de Comunicação foi transformada junto com a área administrativa na Secretaria-geral de Governo. Hoje, o desenho é um pouco diferente, a Casa Civil está mais estruturada e tem condições de tocar a parte administrativa. A governadora deve alterar o decreto, a parte administrativa deve retornar para a Casa Civil. Agora cabe à Secretaria-geral a parte de Comunicação do governo e de acompanhamento dos Programas Estruturantes. E estou acumulando ainda a gestão das Câmaras Setoriais, que passaram a ser presididas pelo secretário-geral de Governo, minha função atual.
JC - As secretarias estão de fato articuladas entre si?
Camarano - Sim. Teve um momento difícil, no final do semestre passado, com o episódio do (ex-chefe da Casa Civil, Cézar) Busatto, a CPI do Detran...
JC - Prejudicou a administração?
Camarano - Certamente, porque as coisas têm um ritmo normal, mudou o secretariado. A vantagem é de que a governadora fez as Câmaras Setoriais, que são fóruns de secretários de Estado. Com isso, criou-se uma estrutura muito mais entrosada de desenho de política pública. Não há um ponto de interrogação no ar quando troca um secretário, não há dúvidas sobre qual será a política adotada naquele setor, já sabemos, está desenhada. Mas a crise prejudicou, por exemplo, o lançamento dos Programas Estruturantes, havia um cronograma, tivemos que paralisar porque toda a atenção do governo do Estado estava voltada para a CPI.
JC - Tirava o foco...
Camarano - Um exemplo é o programa Boa Escola para Todos, que não teve a dimensão que deveria porque aconteceu nesse período de CPI. Houve um prejuízo mais de comunicar o que havia sido feito do que um atraso nos processos técnicos. Um programa estruturante procura resolver um problema histórico no Rio Grande do Sul. Por exemplo, a governadora desenhou um programa para resolver o problema de irrigação e tornar o Estado menos dependente do clima, que causa uma flutuação no PIB do Rio Grande do Sul, afetando toda economia. Uma característica desses programas é ter uma duração definida para resolver um problema, não é uma política permanente. Outra é a transversalidade, ou seja, o orçamento vem de várias secretarias, que devem conversar entre si para que as ações estejam coordenadas. Então, se criou um planejamento para ajudar a cada uma das áreas a fazer esse processo, ter indicadores definidos, metas, acompanhar se o programa está atingindo os resultados pretendidos. Os 12 programas estruturantes estão divididos no eixo social, desenvolvimento econômico sustentável e finanças e gestão pública.
JC - O senhor tem a tarefa de comandar a Comunicação do governo. Pretende trabalhar com um executivo para tocar essa área?
Camarano - Vamos fazer mudanças através de decreto. Posso adiantar que a área de Comunicação tem dois grandes blocos. Um é a relação com a publicidade e a parte comercial, de mídia. Essa coordenação de publicidade é da Mariana Bacalthuck e participo disso diretamente com ela. Tratamos do relacionamento com os veículos, as campanhas que o Estado precisa fazer. Nosso plano é, ao contrário do que se fazia no passado, trabalhar as campanhas isoladamente, fazer um planejamento para o ano de 2009 todo. Isso melhora o nosso relacionamento com os veículos, com as agências e dá garantia do que o Estado precisa fazer. Estamos trabalhando nisso nas próximas duas semanas para apresentar à governadora. A outra área da Comunicação tem o jornalista Joabel Pereira, que faz o contato do governo com a imprensa. E quem opera o dia-a-dia da Comunicação é a Ecilda Stefanello, que fica no porão do Palácio Piratini. Ela é que põe a notinha no site, faz a editoria do rádio para o Interior.
JC - Não é uma falha estratégica essa indefinição formal nas funções? Não teria sido melhor ter feito o anúncio público antes?
Camarano - Entrei na secretaria-geral de Governo em agosto. Primeiro cuidamos da parte interna, tinha bastante coisa para fazer. Houve um trabalho de articulação interna do governo que tomou boa parte desses primeiros meses. Então seguimos na área da Comunicação um pouco como já vínhamos fazendo antes. Temos ainda que fazer esse desenho da Comunicação e o anúncio público.
JC - O problema da licitação da publicidade foi resolvido?
Camarano - Totalmente resolvido. O Ministério Público levantou oito questionamentos, elaboramos as respostas e a juíza que atendeu ao caso referendou o que a PGE (Procuradoria-geral do Estado) tinha argüido como defesa. Publicamos o resultado da licitação há duas semanas. Semana passada foi a homologação. E a informação que temos é que não há nenhum recurso.
JC - Como está a questão da denúncia da revista Veja, que o acusou de receber complementação salarial da iniciativa privada?
Camarano - Esse episódio, pelo menos do meu ponto de vista, está esclarecido. Quando veio aquela matéria mentirosa, procurei dar todo o esclarecimento para todos os veículos do Rio Grande do Sul. Ter saído a matéria, com esse tom, na Veja foi uma sacanagem. Dentro do Estado, conversei com todo o secretariado, com a minha equipe, deputados, e todo o retorno que recebo é de que está tudo esclarecido. Não tem mais nada a ser questionado.
JC - O que realmente aconteceu?
Camarano - Quando eu voltei ao Brasil, abri uma empresa como consultor. Não era empregado da Pólo-RS, prestava serviços como consultor na Agenda 2020. A Pólo-RS faz a secretaria-executiva do projeto. Quando vim para o governo do Estado em abril de 2007, ainda tinha projetos em andamento. Então, continuei prestando esse serviço através da minha empresa, que se resume à minha atuação em casa. Quantos jornalistas trabalham assim como freelancer? Têm sua empresa, emitem nota fiscal, tudo registrado... Quando a governadora me chamou para assumir a secretaria em agosto, a situação mudou, pois passei a ser ordenador de despesa. Esse foi o primeiro motivo que me levou a deixar a consultoria. O segundo foi a falta de tempo, pois sabia que como secretário a dedicação seria exclusiva. Fiz uma rescisão unilateral da minha empresa com a Pólo-RS.
Fonte: Jornal do Comércio
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