Ética e serviço público
Desirée Brandão Muller / Folha de São Paulo
09/06/2006
Demonstrar como está se dando o serviço público, a insatisfação da população, bem como elucidar a aplicação de princípios éticos para atuação dos serviços públicos.
08/06/2006
A insatisfação com a conduta ética no serviço público é um fato que vem sendo constantemente criticado pela sociedade brasileira. De modo geral, o país enfrenta o descrédito da opinião pública a respeito do comportamento dos administradores públicos e da classe política em todas as suas esferas: municipal, estadual e federal. A partir desse cenário, é natural que a expectativa da sociedade seja mais exigente com a conduta daqueles que desempenham atividades no serviço e na gestão de bens públicos.
Para discorrer sobre o tema, é importante conceituar moral, moralidade e ética. A moral pode ser entendida como o conjunto de regras consideradas válidas, de modo absoluto, para qualquer tempo ou lugar, grupo ou pessoa determinada, ou, ainda, como a ciência dos costumes, a qual difere de país para país, sendo que, em nenhum lugar, permanece a mesma por muito tempo. Portanto, observa-se que a moral é mutável, variando de acordo com o desenvolvimento de cada sociedade. Em conseqüência, deste conceito, surgiria outro: o da moralidade, como a qualidade do que é moral. A ética, no entanto, representaria uma abordagem sobre as constantes morais, aquele conjunto de valores e costumes mais ou menos permanente no tempo e uniforme no espaço. A ética é a ciência da moral ou aquela que estuda o comportamento dos homens na sociedade.
A falta de ética, tão criticada pela sociedade, na condução do serviço público por administradores e políticos, generaliza a todos, colocando-os no mesmo patamar, além de constituir-se em uma visão imediatista.
É certo que a crítica que a sociedade tem feito ao serviço público, seja ela por causa das longas filas ou da morosidade no andamento de processos, muitas vezes tem fundamento. Também, com referência ao gerenciamento dos recursos financeiros, têm-se notícia, em todas as esferas de governo, de denúncias sobre desvio de verbas públicas, envolvendo administradores públicos e políticos em geral.
A questão deveria ser conduzida com muita seriedade, porque desfazer a imagem negativa do padrão ético do serviço público brasileiro é tarefa das mais difíceis.
Refletindo sobre a questão, acredita-se que um alternativa, para o governo, poderia ser a oferta à sociedade de ações educativas de boa qualidade, nas quais os indivíduos pudessem ter, desde o início da sua formação, valores arraigados e trilhados na moralidade. Dessa forma, seriam garantidos aos mesmos, comportamentos mais duradouros e interiorização de princípios éticos.
Outros caminhos seriam a repreensão e a repressão, e nesse ponto há de se levar em consideração as leis punitivas e os diversos códigos de ética de categorias profissionais e de servidores públicos, os quais trazem severas penalidades aos maus administradores.
As leis, além de normatizarem determinado assunto, trazem, em seu conteúdo, penalidades de advertência, suspensão e reclusão do servidor público que infringir dispositivos previstos na legislação vigente. Uma das mais comentadas na atualidade é a Lei de Responsabilidade Fiscal, que estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal.
Já os códigos de ética trazem, em seu conteúdo, o conjunto de normas a serem seguidas e as penalidades aplicáveis no caso do não cumprimento das mesmas. Normalmente, os códigos lembram aos funcionários que estes devem agir com dignidade, decoro, zelo e eficácia, para preservar a honra do serviço público. Enfatizam que é dever do servidor ser cortês, atencioso, respeitoso com os usuários do serviço público. Também, é dever do servidor ser rápido, assíduo, leal, correto e justo, escolhendo sempre aquela opção que beneficie o maior número de pessoas. Os códigos discorrem, ainda, sobre as obrigações, regras, cuidados e cautelas que devem ser observadas para cumprimento do objetivo maior que é o bem comum, prestando serviço público de qualidade à população. Afinal, esta última é quem alimenta a máquina governamental dos recursos financeiros necessários à prestação dos serviços públicos, através do pagamento dos tributos previstos na legislação brasileira – ressalta-se, aqui, a grande carga tributária imposta aos contribuintes brasileiros. Também, destaca-se nos códigos que a função do servidor deve ser exercida com transparência, competência, seriedade e compromisso com o bem estar da coletividade.
Os códigos não deixam dúvidas quanto às questões que envolvem interesses particulares, as quais, jamais, devem ser priorizadas em detrimento daquelas de interesses públicos, ainda mais se forem caracterizadas como situações ilícitas. Dentre as proibições elencadas, tem-se o uso do cargo para obter favores, receber presentes, prejudicar alguém através de perseguições por qualquer que seja o motivo, a utilização de informações sigilosas em proveito próprio e a rasura e alteração de documentos e processos. Todas elas evocam os princípios fundamentais da administração pública: legalidade, impessoalidade, publicidade e moralidade – este último princípio intimamente ligado à ética no serviço público. Além desses, também se podem destacar os princípios da igualdade e da probidade.
Criada pelo Presidente da República em maio de 2000, a Comissão de Ética Pública entende que o aperfeiçoamento da conduta ética decorreria da explicitação de regras claras de comportamento e do desenvolvimento de uma estratégia específica para a sua implementação. Na formulação dessa estratégia, a Comissão considera que é imprescindível levar em conta, como pressuposto, que a base do funcionalismo é estruturalmente sólida, pois deriva de valores tradicionais da classe média, onde ele é recrutado. Portanto, qualquer iniciativa que parta do diagnóstico de que se está diante de um problema endêmico de corrupção generalizada será inevitavelmente equivocada, injusta e contraproducente, pois alienaria o funcionalismo do esforço de aperfeiçoamento que a sociedade está a exigir. Afinal, não se poderia responsabilizar nem cobrar algo de alguém que sequer teve a oportunidade de conhecê-lo.
Do ponto de vista da Comissão de Ética Pública, a repressão, na prática, é quase sempre ineficaz. O ideal seria a prevenção, através de identificação e de tratamento específico, das áreas da administração pública em que ocorressem, com maior freqüência, condutas incompatíveis com o padrão ético almejado para o serviço público. Essa é uma tarefa complicada, que deveria ser iniciada pelo nível mais alto da administração, aqueles que detém poder decisório.
A Comissão defende que o administrador público deva ter Código de Conduta de linguagem simples e acessível, evitando termos jurídicos excessivamente técnicos, que norteie o seu comportamento enquanto permanecer no cargo e o proteja de acusações infundadas. E vai mais longe ao defender que, na ausência de regras claras e práticas de conduta, corre-se o risco de inibir o cidadão honesto de aceitar cargo público de relevo. Além disso, afirma ser necessária a criação de mecanismo ágil de formulação dessas regras, assim como de sua difusão e fiscalização. Deveria existir uma instância à qual os administradores públicos pudessem recorrer em caso de dúvida e de apuração de transgressões, que seria, no caso, a Comissão de Ética Pública, como órgão de consulta da Presidência da República.
Diante dessas reflexões, a ética deveria ser considerada como um caminho no qual os indivíduos tivessem condições de escolha livre e, nesse particular, é de grande importância a formação e as informações recebidas por cada cidadão ao longo da vida.
A moralidade administrativa constitui-se, atualmente, num pressuposto de validade de todo ato da administração pública. A moral administrativa é imposta ao agente público para sua conduta interna, segundo as exigências da instituição a que serve, e a finalidade de sua ação: o bem comum. O administrador público, ao atuar, não poderia desprezar o elemento ético de sua conduta.
A ética tem sido um dos mais trabalhados temas da atualidade, porque se vem exigindo valores morais em todas as instâncias da sociedade, sejam elas políticas, científicas ou econômicas.
É a preocupação da sociedade em delimitar legal e ilegal, moral e imoral, justo e injusto. Desse conflito é que se ergue a ética, tão discutida pelos filósofos de toda a história mundial.
Referências Bibliográficas:
PASSOS, Elizete. Ética nas Organizações: uma introdução. Salvador: Passos & Passos, 2000.
LOPES, Maurício. Ética e Administração Pública. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993.
PIQUET, Carneiro. O novo Código de Ética do Servidor Público. In: SEMINÁRIO NACIONAL DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA GERENCIAL, 3, anais; Salvador, 2000.
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