Uma nova forma de nepotismo
Editorial ZH
03/01/2006
A história administrativa do Brasil tem convivido, especialmente no último meio século, com as tentativas nem sempre bem-sucedidas de implantar critérios de profissionalização no serviço público. O aparelhamento político do Estado brasileiro por parte do atual governo é apenas mais um dos retrocessos dessa busca de um funcionalismo com a marca da competência técnica. Episódios de uso partidário e não profissional de órgãos públicos têm sido levantados pela imprensa envolvendo desde empresas da importância da Petrobras e do Banco do Brasil até entidades históricas como a Fundação Nacional da Saúde (Funasa) ou, mais recentemente, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep).
Numa sociedade que proclama os princípios democráticos da impessoalidade e transparência da administração pública, as funções devem ser preenchidas por profissionais dotados de competência técnica, devendo ser essa a condição básica para a escolha. A partidarização do acesso a tais funções representa uma distorção inadmissível. Transformar a filiação partidária em critério decisivo ou prioritário é dar a uma situação acessória ou irrelevante um papel que não lhe cabe. O cientista social Andrew MacMullen, da Universidade britânica de Durhan, chega mesmo a classificar tal distorção na categoria de nepotismo. Para ele, nepotismo é toda a distribuição de empregos públicos que não se guie por critérios exclusivamente técnicos, não importa se o beneficiário é parente, amigo ou aliado político.
Em recente entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, um ex-diretor do Inep, o sociólogo Carlos Henrique de Araújo, atribui ao aparelhamento político as dificuldades atuais da autarquia, fundada em 1937 com a finalidade de promover pesquisas, estudos e avaliações sobre o sistema educacional do país. "O Inep está agonizando", disse ao denunciar o uso partidário das nomeações para postos de comando de uma instituição que só pode sobreviver se tiver competência técnica.
A estratégia de ocupação maciça dos postos da máquina pública pelo partido do governo e seus aliados, num processo que chegou a ser qualificado de "loteamento de cargos", pode estar na raiz dos problemas de eficiência que tem sido denunciados em vários deles e em especial na origem dos escândalos de uso indevido da máquina e de recursos públicos.
É evidente que essas mazelas da administração não são uma invenção do atual governo, apesar dos espaços crescentes que muitas delas tenham conquistado nos anos recentes. O argumento de que a nomeação de aliados faz parte natural da alternância no poder não justifica a volúpia de partidarizar o serviço público e de aparelhá-lo ideologicamente. A modernização do Estado só pode ocorrer quando a máquina da administração puder funcionar profissionalmente, com uma espinha dorsal burocrática sólida e respeitada, qualquer que seja o partido ou a frente partidária que assuma o poder.
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