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Que tipo de confiança queremos?

Moacyr Scliar

26/07/2005
Boas lições podem ser extraídas da crise que abalou, e abala, o país. A mais importante delas: o poder público, que emana do povo e que em nome do povo deve ser exercido, tem de ser preservado mediante uma reforma do Estado brasileiro. Em termos de administração, isto significa valorizar os cargos de carreira, uma observação que o prefeito José Fogaça fez ao assumir o cargo e que à ocasião foi pouco comentada. Ele tem razão. Cada vez que há alternância de partidos no poder, ocorre um enorme troca-troca no governo, por conta do loteamento dos cargos de confiança. Aliás, cargo de confiança é uma expressão que soa meio estranha - os outros são cargos de desconfiança, ocupados por pessoas não-confiáveis? - e que se consolidou no Brasil em parte por causa da inércia que historicamente caracterizou o serviço público brasileiro, em conseqüência da qual funcionários, mesmo incompetentes, mesmo omissos ou ausentes (os famosos fantasmas), permaneciam em seus cargos; nem mesmo novos governantes mexiam com eles. A renovação se fazia através dos cargos de confiança. Isto foi num crescendo, obedecendo também a interesses políticos. Resultado: o país tem hoje um número astronômico de cargos de confiança, aos quais correspondem polpudos salários, maiores inclusive que aqueles pagos aos funcionários de carreira. Enquanto um professor universitário em início de carreira percebe cerca de R$ 1.000, um comissionado ganha 10 vezes mais.
Em países europeus é diferente. Quando sai o ministro, não há grandes trocas: saem junto apenas o diretor-geral do ministério, a secretária e o motorista (os dois últimos porque ouvem demais e sabem demais). Mas, nesses países, o serviço público se traduz em carreira que contempla estímulos para o aperfeiçoamento pessoal e a progressão funcional. Agora: quem traça as diretrizes políticas de governo é quem vence as eleições e que está, portanto, legitimado pelo voto popular. Dentro destas diretrizes, o servidor trata de exercer as suas funções, responde por elas, e estamos conversados.
É preciso valorizar o serviço público, e a noção de carreira, de continuidade, é essencial, sobretudo porque administração pública significa sempre longo prazo: o país não termina a cada eleição. Quanto menos gente tiver de esvaziar gavetas na hora da troca de governo ou em hora de crise, melhor. A confiança não tem de ser depositada em amigos dos governantes, mas em gente que tem responsabilidade e competência para gerir a coisa pública.
Fonte: Zero Hora Data: 26/07/05

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