As causas da crise política
Antônio Augusto de Queiroz
12/07/2005
Muitos foram os motivos, além dos erros e do excesso de poder nas mãos do PT, que levaram à crise política atual: o caso Waldomiro Diniz, a derrota do candidato do Governo para a presidência da Câmara, o flagrante de Corrupção nos Correios, as denúncias de Roberto Jefferson e outras que brotaram posteriormente. Mas, coincidência ou não, foi com o ingresso do PMDB no Governo, supostamente para compor a chapa da reeleição de Lula, que tudo veio à tona.
O raciocínio de quem pensa assim é simples. O projeto de reeleição do presidente Lula e a necessidade de ampliar a base de apoio no Congresso fizeram com que o PT e o Governo buscassem uma aliança com o PMDB. Ora, o PMDB, pela vontade das urnas, deveria ser oposição, já que, na eleição de 2002, participou da chapa de José Serra, que teve como candidata a vice-presidente a ex-deputada federal Rita Câmara (PMDB/ES). Assim, quando aceitou participar do Governo Lula, certamente o fez na perspectiva de um acordo para 2006, já que a reeleição do presidente Lula era dada como certa.
Esse suposto acordo, entretanto, teria irritado profundamente os partidos que fizeram parte da aliança que elegeu Lula – o PL desde o primeiro turno e o PTB a partir do 2º turno – e também os que ingressaram logo no início do Governo, caso do PP. Para esses partidos, era evidente que o acordo com os peemedebistas envolvia a eleição de 2006 e então seus dirigentes (do PL, do PTB e do PP) passaram a cobrar explicações do Governo e do PT, já que uma eventual aliança com o PMDB com vistas a 2006 significaria o rompimento e até traição para com eles.
Aqui o PT e o Governo erraram na tática. Supondo que a simples negação do acordo não seria suficiente para acalmar o PL, PTB e PP, os operadores do Governo resolveram apresentar um álibi convincente e não apenas reiteraram a opção preferencial pelos antigos aliados como se comprometeram a fortalecer, ainda mais, esses partidos. A forma de valorizar seria ampliar a participação no Governo e intensificar, ainda mais, a arregimentação de parlamentares para engrossar as fileiras desses partidos. Os novos governistas, que migraram do PFL e do PSDB para o PTB e PL, descontentes com os espaço em seus novos partidos e no governo, passaram a exigir compensações, inclusive financeiras, para melhor estruturar e acomodar seus grupos nos Estados, que estavam migrando aos poucos para o novo projeto político. É nesse momento que, supostamente, surgem os acordos políticos de repasse de recursos aos partidos que originariamente faziam parte da aliança que elegeu o presidente Lula.
O descumprimento de algumas dessas promessas, a disputa entre “aliados” por mais espaço no Governo, a cobrança da base por mais recursos e a desconfiança recíproca entre “aliados”, como seria natural, levou a esse estado de coisa, em que uns denunciam os outros, muitas vezes fazendo uso de expedientes ilegais e não-convencionais, como gravação e divulgação de casos de corrupção. As fitas sobre Waldomiro e Roberto Jefferson, por exemplo, são parte desse tipo de disputa.
A eleição de Severino Cavalcanti para a presidência da Câmara, um aliado que dispensa adversário, foi conseqüência da ausência de coordenação política, da falta de unidade do PT e do clima de guerra entre os “aliados”, além das denúncias que prejudicam a imagem do Governo. Essa foi a maior derrota política do Governo e do PT. Ela até hoje não foi absorvida. Sempre que têm oportunidade jogam a responsabilidade sobre o PSDB, fato que só piorou a relação entre aquele partido e o Governo e o PT.
O saldo desse processo, cujo início coincidiu com o ingresso do PMDB na base, já resultou na renúncia de Roberto Jefferson da presidência do PTB; na demissão do ex-ministro José Dirceu; na queda da cúpula do PT – Silvio Pereira, Delúbio Soares, Marcelo Sereno e José Genoíno – e na criação das CPMIs dos Correios, dos Bingos e do Mensalão, além de investigações no Conselho de Ética e na Comissão de Sindicância da Câmara. E pode ir mais longe, com a cassação de parlamentares e, no limite, até com o impedimento do presidente.
A responsabilidade não foi do PMDB, é bom que se registre. A atração desse partido para a base foi uma medida acertada do PT e do Governo. O erro, que é responsável por grande parte da crise, foi tático. O PT e o Governo, temendo uma reação exagerada do PL, PTB e PP, adotaram a tática suicida de continuar interferindo em outras legendas, cooptando deputados para esses partidos, além de prometerem aos novos governistas o que não poderiam cumprir.
A dúvida, mantido o quadro de crise, não é se o presidente Lula disputaria a reeleição com chances, mas se ele seria capaz de reorganizar o Governo e cumprir seu mandato sem crise institucional. Como já surgem sinais de que a economia começa a ser afetada, o cenário mais realista é de que haja um acordo para preservar o governo, mas punindo todos os envolvidos, com cassação de parlamentares culpados, inclusive de cabeças coroadas do PT. As oposições, entretanto, poderão exigir mais: que o presidente Lula desista da reeleição.
Antônio Augusto de Queiroz é jornalista, analista político e Diretor de Documentação do DIAP – Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar.
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